quinta-feira, 10 de setembro de 2009

UNIVERSO PARALELO

A assinatura do convênio de cooperação técnica entre a UESC e a Prefeitura de Ilhéus pode ser o pontapé para a saída do estado de letargia em que se encontra a universidade nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito à interação com a sociedade regional. A ausência da UESC no debate sobre temas importantes para a região, como o gasoduto, a implantação do complexo intermodal Porto Sul, a demarcação de terras indígenas, a criação de uma Universidade Federal e outros de igual relevância, há muito vem provocando indagações.
Muitos jornalistas e blogueiros da região já abordaram o distanciamento da UESC dos assuntos de interesse das cidades da região e alguns chegam a afirmar que as faculdades particulares estão mais antenadas com o cotidiano. Muitos vêem a UESC como um universo paralelo, em que os assuntos de seu interesse não têm ponto em comum com as principais demandas regionais, apesar de situadas no mesmo plano.
Das “teorias” que tentam explicar tal fenômeno, pelo menos três chamam mais a atenção. A primeira tentativa de explicação se refere à localização geográfica da universidade. Para os defensores desta tese, o fato de encontrar-se relativamente longe dos centros urbanos justificaria o isolamento da universidade.
A segunda é a mais defendida e a menos assumida, pois envolve questão melindrosa que, se mal explicada ou mal interpretada, pode resultar em peleja das brabas. Diz respeito ao grande número de professores de outras regiões do país na universidade. Segundo os adeptos deste pensamento, “os estrangeiros”, por não possuírem vínculos culturais com a região, geralmente não se sentem parte dos problemas locais. Os mais radicais chegam a afirmar que a UESC tem servido apenas para turbinar os currículos lattes desses professores, que depois voltam para seus locais de origem ou se transferem para as federais, atraídos pelas vantagens salariais.
A terceira tentativa de explicação, não menos polêmica, afirma que o inegável crescimento da UESC nos últimos anos na área de pesquisa teve como ônus a diminuição da importância dos demais pilares que sustentam uma universidade, o ensino e a extensão, apesar da ampliação significativa no número de cursos, inclusive de pós-graduação. Para os que defendem esta tese, a UESC é o império da tecnocracia. Professor ou estudante que não estiver envolvido em nenhum projeto de pesquisa e que se dedique apenas ao ensino é discriminado; que o diga o professor Walter Silva, quando da eleição para reitor. Se além de não pesquisar ainda for “metido em política”, a coisa fica pior do que doença contagiosa. Obviamente aqui não se pretende desmerecer a atividade de pesquisa no âmbito acadêmico, mas antes evidenciar e criticar a falta de relevância social de muitos projetos e até mesmo o excesso de tecnocracia.
O fato concreto é que das universidades estaduais da Bahia a UESC é, inegavelmente, a mais conservadora e a menos articulada politicamente. A UESB, sobretudo com o campus de Vitória da Conquista, participa ativamente da política local (o ex-reitor é deputado estadual no segundo mandato e líder do governo; o ex-prefeito é doutor/professor/pesquisador com muitos trabalhos publicados). Na UESC, o máximo que se consegue em termos de participação política são aqueles debates insossos realizados com candidatos a prefeitos de Ilhéus e de Itabuna. Nesse contexto uesquiano, como não poderia deixar de ser, as pessoas que ainda insistem em debater questões sociais ou que tentam resgatar entidades como o DCE, a ADUSC e a AFUSC encontram muitas dificuldades. A região espera muito mais da sua única instituição pública de ensino superior - mas tal expectativa esbarra na cortina de ferro erguida pelos grupos hegemônicos que compõem a comunidade acadêmica.

Ilton Candido

2 comentários:

  1. Camarado Ilton,

    Concordo com a sua análise da evidente falta de articulação política da nossa UESC. Nunca foi melhor do que isso, apesar de, pela nossa visão, pensamos que no nosso tempo talvez fosse um pouco melhor.
    As 3 possibilidades de explicar o afastamento/aversão à participação política dos desígnios da nossa única IES pública, pode se dá a partir de uma análise da composição da nossa sociedade. Temos um conservadorismo nato, que encontrou na lavoura cacaueira sua forma mais densa de expressar-se. Vejamos: o cacau, uma vez plantado, precisava de pouca modernização (ponto para os conservadores, avessos à mudanças); o seu manejo precisa de pouca implementação mecano-tecnológica (uma tropa de burros/mulas; uns rudes peões; uma barcaça e uns caminhões caindo aos pedaços para escoar até o porto.

    Daí que eu acho que seja possível combinar algumas das variáveis, ou seja:

    1. atraímos doutores/mestres, sem um projeto claro de universidade, dentro da concepção de desenvolvimento regional legitimada pelos nossos problemas (de modo que penso que apenas os filhos/netos daqueles que se radicarem aqui vão ter alguma relação com a UESC/RC);

    2. A combinação do conservadorismo com a política, exclui a possibilidade de receber outros atores - explica o fato de nos últimos 40 anos Itabuna termos tido 2 prefeitos - a exceto, claro, Ubaldo. (O meganha ainda está no meio do mandato, excluímo-lo.)

    3. Por fim, a onda mundial que nos acometeu, no Brasil representado pelo mandato de FHC, que estabelecia praticamente o fim da vinculação a alguma entidade representativa. O individuo como grupo de si mesmo. Corroborado pelo crash no PT (crash, porque não se querem associados à palavras em português - quebra, rompimento, isso é coisa de gente atrasada, como apagão, no lugar de black-out).

    Acho que isso tudo somado, dá essa UESC de hoje, ajuntamento de gente, com anseio de fazer pesquisa, sem se saber para onde remeter seus resultados - além claro, das revistas de publicação científica; com anseio de estudar a graduação, sem saber o seu futuro como profissional de uma sociedade, para ela (medicina, direito, alô?!!!); gestores que não conversam entre si, prefeitos que não se envolvem para além dos seus municípios, quando tanto.
    temos muito que caminhar. eu ainda não perdi o fôlego!

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  2. Parabenizo o camarada Cândido pelo texto e pela reverberação no Pimenta. O termo Universo Paralelo, que a gente gosta tanto pra falar da UESC, já merecia um texto assim. Vamos provocar!

    Aquilino

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