quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)

Em A negação do Brasil (documentário datado de 2000), Joel Zito de Araújo enfatiza, de maneira contundente, o espaço conferido ao negro pela televisão brasileira, ou seja, o lugar da inferioridade. Seja por meio das telenovelas ou minisséries, o que se vê ao longo do período que engloba a década de 60 até 90 é exatamente a “remasterização” das principais imagens difundidas ao longo de séculos pelo discurso colonial e seus principais tentáculos – religião, ciência, política.


Seja pelo signo da inferiorização moral e intelectual, passando pela retomada da violência simbólica e física que marcou o tratamento do corpo negro no contexto colonial, a denúncia fundamental do referido documentário reside no seguinte: o discurso da teledramaturgia pouco contribui para desvelar o racismo que marca as tensas relações sociais no Brasil. Ao contrário: a TV, por meio da articulação de especialistas da violência simbólica, retoma esquemas que remetem às estratégias de desqualificação do negro na sociedade brasileira (para ficarmos somente na estrutura dessa nossa sociedade que se pensa democrática).

Quando a questão racial, no contexto televisivo, se cruza com a de gênero, as representações desqualificantes se acentuam, afinal, argumenta-se que a mídia dialoga com o imaginário brasileiro. À mulher negra, no mais das vezes, é associado um sistema de estereotipias, sendo duas as principais imagens: a empregada doméstica submissa ou alcotiveira; a criatura excessivamente sexualizada, que não consegue ultrapassar a condição imposta pelo domínio exclusivo dos instintos. Em ambos os casos, o pêndulo televisivo oscila sob o peso do racismo, pois em nada se afasta da formação discursiva colonial.

Em tempos de ações afirmativas no Brasil, localizados num século ainda “cheirando a leite”, presenciamos mais uma investida num formato de telenovela que vem se consolidando no famigerado horário nobre. Ou seja, novamente a Rede Globo concede ao escritor Manoel Carlos um espaço de destaque em sua programação. Nesse sentido, elementos como a bossa nova, a paisagem carioca da zona sul ou do balneário de Búzios, o cotidiano da classe média (média alta) e, claro, a retomada do ícone da personagem “Helena” são fundamentais para a difusão de uma trama que, se acredita, “dialoga de maneira eficiente com a audiência”. A novidade, na atual telenovela “Viver a vida”, é o protagonismo negro associado à figura da Helena. Tem-se, então, a atriz Thais Araújo interpretando uma mulher que ocupa espaços elitizados, seja pela atividade profissional exercida (modelo internacional), seja pelo padrão de consumo que a sua condição proporciona e, como não poderia deixar de ser, o trânsito desenvolto que faz o Rio de Janeiro (da zona sul) aproximar-se de Paris (numa rapidez e simplicidade, como não poderia deixar de ser).

Associando-se a telenovela “Viver a Vida” ao conjunto de produções analisado por Joel Zito de Araújo, pode-se pensar que há um significativo avanço na forma de inserção do negro na TV. No entanto, violência subsumida no capitulo exibido hoje restaura a polêmica. A essa altura da trama, a Helena já está em sua “temporada no inferno”: sofre o drama psicológico da culpa associada ao trágico destino da sua colega de passarela (a personagem Luciana, representada por Alinne Moraes). Para representar esse sentimento, obviamente a produção investiu numa caracterização degradante da personagem, muito distante do glamour que marcou a sua aparição até então.

No entanto, o que chama a atenção é justamente a cena em que a personagem Helena, de joelhos diante de Tereza (Lilia Cabral), assume toda a responsabilidade pela desgraça familiar. A cena permite uma retomada da estrutura muito comum às ditas “novelas de época” que retratam a subserviência negra diretamente associada à autoridade de um mandatário que não poupa esforços para ratificar a segregação, o distanciamento, a assimetria das relações raciais. Desprovida de graça, e o pior, mergulhada num típico figurino da slave colection, Helena irmana-se com a legião de mucamas e afins que sofrem o peso da sujeição. Aqui inauguro ironicamente o termo slave colection para apontar uma forma previsível de caracterizar a presença negra na televisão, ou seja, representações que remetem à condição escrava (única possibilidade de se pensar essa presença negra).

O ápice da cena é o golpe (tapa) desferido no rosto da Helena. Golpe que não pode ser dissociado da frase que o acompanha: “isso é só o começo”. Não se deve esquecer que como mais uma personagem branqueada – distante da historicidade familiar e isolada do convívio com outros/as negros/as – Helena experimenta a assimilação cultural. No entanto, as próprias contribuições das Ciências Sociais apontam que essa assimilação na verdade é uma armadilha, pois não garante a devida valorização e a ocupação de espaços. Enquanto uma falácia compentente, a assimilação cultural gera o efeito da falsa inclusão, mas a mesma sociedade que a estimula lança mão de mecanismos que reafirmam a exclusão.

Por fim, o simbolismo dessa cena televisiva (ironicamente exibida na “semana da consciência negra”) comprova o caráter pontual da questao negra. E também como ainda se está distante de uma abordagem processual e séria da questão (sobretudo por parte da mídia), o que certamente indicaria avanço. Isso tudo comprova: a racialização ainda é um componente fundamental para se entender como se dão as relações sociais no Brasil (mesmo que enquanto conceito biológico raça – e suas diferenciações – signifique algo superado).



Daniela Galdino. Professora da Rede Estadual de Ensino, Professora Visitante da UNEB, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural.

terça-feira, 27 de outubro de 2009



“NEGRO PARADO É SUSPEITO, CORRENDO É LADRÃO!” – Por uma ação prática e imediata de combate ao racismo policial em Itabuna




Esta expressão que leva o título deste texto não tem nada de jocoso e é no mínimo intolerável para qualquer pessoa que tenha um mínimo de consciência política da condição social de ser negro no Brasil. Mas, na esfera do cotidiano, onde o censo comum opera, a expressão (que é oriunda de uma piada racista) não conduz a esse sentimento de resignação, ou a essa interpretação. As mil facetas do racismo brasileiro, o faz ser mais violento que o estadunidense, também faz com que essa expressão possa ser ao mesmo tempo uma piada racista, uma ofensa ou uma norma de conduta de uma operação policial. Até a década de 70 era comum ver essa expressão nas paredes de delegacias. Em tempos de violência urbana extremada essa expressão torna-se a representação oficial que o sistema policial tem sobre os negros e negras. Sem dúvida, a sociedade vive hoje um medo social generalizado, tendo em vista os comportamentos humanos hediondos e uma sociedade excludente e que faz do seu autoritarismo uma virtude. Esse grau de violência faz com que os indivíduos rejeitem aproximações e diálogos com pessoas que lhe são “estranhas”. Acontece que o estigma histórico e cultural que pesa sobre o Negro, o faz e ser o indivíduo privilegiado para essa fobia social.

Povos negros diaspóricos no mundo globalizado tem sido vítimas de uma espécie de satanização social, são os vilões por natureza da violência urbana, como se os caracteres físicos determinassem a formação de suas personalidades.

O sistema policial precisa desincorporar de vez as teses racistas do cientista Cesare Lombroso, que no século XIX acreditava ser a criminalidade um fenômeno físico. Nota-se que as instituições de segurança pública não tem feito o mínimo esforço em criar mecanismos político-ideológicos para superar essa nefasta representação racista do negro, os policiais continuam a abordar, violentar e julgar tendo por base apenas a epiderme escura dos negros, como se ter a pele escura fosse uma “maldição,” um castigo, uma condição de inferioridade. Esse imaginário social precisa ser sistematicamente refletido para ser extirpado.

O debate que ora se instala na sociedade brasileira já suplantou de vez a validade do mito das três raças, do mito bíblico de Cam (ancestral da raça negra) ou o tedioso discurso da democracia racial. Não é mais admissível que instituições de segurança pública não adotem uma política multicultural na formação de seus quadros. Do contrário, continuamos evidenciando um racismo institucionalizado. Enquanto os elementos de investigação e de operação policial estiveram cindindo sobre os caracteres físicos, a polícia continuará reiteradamente insistindo numa política raciológica.

Já passou a hora de atacarmos as razões do racismo presentes nas relações sociais. Maior rigor na lei (prisão aos policiais racistas) e ações políticas de combate as suas manifestações, são operações necessárias, porém, um tratamento de fundo implicaria na mudança de valores e nas relações de poder. O discurso da falta de investimento material no aparato de segurança, embora necessário é bastante paradoxal, pois, se não forem canalizados em conjunto com uma política humanitária e multicultural, só manterá a ordem racista vigente. O primeiro passo que essas instituições de segurança pública devem adotar é reconhecer pública e oficialmente que o racismo tem sido um valor presente nas corporações policiais, o que tem sido fator muitas injustiças. Esse primeiro passo conduz a uma problematização constante das reais condições das relações étnico-raciais, ou seja, ser negro não é condição alguma para qualquer tipo de abordagem policial (ou para qualquer tipo de sujeição ostensiva). Sabemos muito bem que a dimensão do processo é estrutural e complexa e não tem um fim predeterminado, mas, ações pontuais podem ser energicamente estabelecidas, para que se inicie um processo de mudança de comportamento social e que aniquile o extermínio de negros e negras moradores de regiões periféricas. Não cairemos mais nas armadilhas das políticas sociais de cunho liberal de caráter universal, com resultados duvidosos e a longo prazo. Políticas públicas étnicas, particularistas e diferenciadas, já!

Eduardo A. Estevam Santos, historiador e ativista negro.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A RELAÇÃO ESCOLA, JUVENTUDE E COMUNIDADE


Se viver é aprender e aprender é viver, podemos dizer também que a Escola aprende e, ao aprender, muda, ensina e constrói mais vidas aprendentes. A educação escolar é uma necessidade das sociedades complexas e um excelente meio para o desenvolvimento das “experiências reflexivas”, como afirmou um dos proponentes da Escola Nova, John Dewey, no início do século passado. Desta maneira, a relação escola e comunidade deve ser intensificada, na tentativa de uma “educação como vida” e não “para a vida”. É preciso que a vida escolar seja cada vez mais refletida, a partir do compartilhamento de idéias e de construção de decisões de pais, estudantes e educadores, como uma busca cotidiana de construir “modelos vivos” de uma sociedade almejada. A participação da comunidade -pais, parentes, amigos, irmã, irmão, comerciantes, enfim, todos os convivas que se relacionam de uma maneira ou de outra com a escola, é de suma importância para que trilhemos o caminho da transformação social rumo a paz, mesmo que, para isto, diversos conflitos surjam, pois estes serão sempre meios criativos e de descobertas de resoluções, para o benefício comum. E pensar a paz no Brasil de hoje, é pensar na juventude, parcela da população mais atingida pelas desigualdades sociais e, conseqüentemente, pela violência. 

Desta maneira, celebremos a PEC 24/2008 - Proposta de emenda constitucional, que reconhece a juventude como segmento social, e inclui no capítulo de Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal, os jovens de 15 a 29 anos, assegurando prioridades como saúde, educação, alimentação, lazer, profissionalização e cultura. Esta emenda foi apresentada em 2003 e aprovada em 2008 pela câmara dos deputados, depois passou pela comissão de constituição de justiça e agora, após a aprovação em primeiro turno no Senado, caminha para o segundo turno, com reverberações de favorável aprovação. Para isto acontecer, diversas manifestações e encontros de juventudes ocorreram no Brasil, e, crucialmente a 1º Conferência Nacional de Juventude, que contou com a participação de 400 mil jovens e resultou na proposição da emenda.

 Nos últimos dias, uma audiência pública, veiculada para toda a Bahia por meio de videoconferência, tratando sobre o “Estatuto da Juventude”, foi realizada no IAT – Instituto Anísio Teixeira, promovida pelo CEJUVE – Conselho Estadual de Juventude, que compõe-se de representações das secretarias de governo, organizações não-governamentais e grupos culturais diversos, cujas finalidades de suas ações se concentram na promoção do protagonismo juvenil. Com a juventude agora reconhecida pela Constituição, abre-se um caminho mais largo para as conquistas que a sociedade tem reivindicado, tendo como bandeira as demandas de 50 milhões de jovens brasileiros, que corresponde ao percentual de 50% de jovens da América Latina. Mesmo assim, os desafios continuam,  asseguremos o Plano Nacional de Juventude, ampliemos o debate e desafiemos o atraso. Da teoria a prática, da escrita a vida, almejamos o melhor para as nossas escolas e nossas comunidades, e, para isto, cuidemos da juventude brasileira para que as relações humanas sejam cada vez mais construídas com tolerância, inclusão, respeito as diferenças, compromisso e verdade. A escola, como uma micro-sociedade é o lugar onde o cosmo se constitui como valor e suas funções na atualidade ultrapassam o mero instrucionismo e o cognoscível e atingem o convívio e a afetividade. Assim, a relação escola e comunidade deve ser incentivada e praticada para que a escola pública contemporânea faça sentido para todos nós. 

Naynara Tavares Moreira

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A FAIXA



Gente,

Eis a frase que a API/APLB colocou no Jardim do Ó em homenagem ao dia dos professores. É surreal! Convido todos e todas, principalmente as amigas Larissa e Daniela, estudiosas do discurso, a enveredarem em uma empreitada linguística, histórica, epistemológica, holística, e o que ocorrer, visando a compreensão do dito texto.

Vamos fazer um AC virtual ai gente!!!!

Pra aquecer...

Perguntinha histórica: A China voltou a ser império desde quando? Deu no jornal nacional? E o presidente, fizeram o que dele, churrasquinho de gato? Lula não se meteu dessa vez não?

Perguntinha linguística: Quem deve se curvar diante dele ou dela, toda a sociedade mundial? O imperador chinês também?

Perguntinha holística: Que sociedade é essa, a mundial, é algum grupo de auto-ajuda?

Perguntinha epistemológica: inventaram algum método de investigação novo pra ajudar a submeter as pessoas? Ele tem alguma coisa a ver com a teoria da curvatura da vara?

Perguntinha sindical: O que isso nos diz sobre o salário dos professores e professoras?

Ajudaê pô!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Indaiara e Aquilino

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ITABUNA UMA CIDADE AFORADA

Alguns problemas da cidade de Itabuna parecem invisíveis, mas, na verdade são tão perenes que volta e meia torna-se brando ou se recrudesce em conflitos latentes. Refiro-me a problemática do Aforamento, este instituto jurídico arcaico, mas, que ainda regula modicamente as condições de posse de terrenos para a construção de moradas. Sua permanência tem sido um entrave que nega o direito à cidade a grande parte da população.
Podemos identificar várias aplicações do Aforamento na história do Brasil, para isso, vamos destacar apenas aquelas que decorreram em grandes transformações sociais: a primeira foi basicamente voltada para a produção, e constituía-se como elemento central do sistema sesmarial, sua base era o foro, uma espécie de tributo pago a Ordem de Cristo (Igreja e Estado estavam indissociáveis no empreendimento das “descobertas” de terras no Novo Mundo); a sua segunda aplicação prática foi análoga a essa que ora vigora na cidade de Itabuna, a do aluguel de terrenos para construção de casas (urbanização).
A cidade de Itabuna tem hoje um pouco mais de 200.000 habitantes e está distribuída em mais de 100 bairros. No início da década de 70, a cidade de Itabuna tinha 91.202 habitantes e estava distribuída em 26 bairros, este censo apresentava ainda um contingente populacional urbano de 80% e 20% rural. Esse impulso demográfico de mais de cem por cento, num intervalo de 30 anos, está intimamente relacionado ao surgimento dos loteamentos populares que tinham em seus contratos jurídicos o regime do “arrendamento” como regulador das condições de posse dos terrenos. Em termos práticos, não era o arrendamento de caráter temporário que se procedeu e, sim o seu correlato, o Aforamento, pois desde a aquisição dos lotes que os aforados vem pagando o foro.
O mercado de lotes aforados foi uma das poucas alternativas que os mestiços, índios e, sobretudo os descendentes de escravizados (creio que a primeira geração) tinham para a construção de suas moradas. A maioria desses moradores eram provenientes da própria cidade (fugiam do aluguel), alguns outros de cidades vizinhas. As correntes migratórias ocorreram no momento áureo em que a cidade era um pólo de forte atração e possuía mais “oportunidades” que as cidades adjacentes. Surgem assim os bairros São Pedro, Pedro Jerônimo, Zizo, Fonseca, Parque Boa Vista, Maria Pinheiro, entre outros.
Não foi por falta de planejamento urbano que a criação de lotes a esmo configurou a urbanização caótica desta cidade. Desde o código de obras de 1978 (governo Fernando Gomes), passando pela lei 1.324 (governo Ubaldo Dantas) que estabelecia normas e diretrizes do desenvolvimento urbano em 1984, e finalmente com decreto lei de 1995 que proibia a cobrança do Aforamento e tornava ilegal vários loteamentos entre eles os loteamentos São Pedro e São Lourenço, que o Aforamento sobrevive. Medidas mais sintomáticas foram adotadas no primeiro governo de Geraldo Simões, mas não houve força e nem vontade política para por fim por completo a esse instrumento jurídico regulador da posse de terrenos.
Temos assim, uma luta de classes, não no seu modelo clássico, mas de um modo muito peculiar a história fundiária brasileira - de um lado famílias “tradicionais” que monopolizam a propriedade de grandes porções do espaço urbano por meio do Aforamento e do outro; sujeitos que lutam pelo direito pleno a propriedade.
A ausência de escritura pública criou uma série de obstáculos aos moradores de áreas aforadas, pois, os mesmos são impedidos de sujeitar o bem imóvel como garantia de empréstimos ou de obter financiamentos habitacionais.
O Estatuto da Cidade aprovado em 2001 garante o direito à cidade a esses sujeitos aforados, por meio da regularização fundiária. O Novo Código Civil deu um golpe decisivo no Aforamento, não permitindo mais novos contratos.
Não é mais possível pensar em Plano de Governo ou Políticas Públicas, para a cidade de Itabuna, sem colocar na pauta o Planejamento Territorial Urbano, com dotação orçamentária para a sua concretização. O espaço da morada é o espaço da vida, da sociabilidade e da construção da cidadania. A resolução do problema do Aforamento constitui-se numa política de inclusão sócio-étnica-racial.

EDUARDO ANTONIO ESTEVAM SANTOS, Mestre em História Social, Coordenador do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Professor da Rede Estadual e Municipal de Ensino Público.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Uma surra dos fatos. Literal

por Luiz Carlos Azenha

Na quinta-feira da semana passada o Jornal Nacional do Ali Kamel produziu uma "reportagem" justificando o golpe em Honduras.
Já escrevi a respeito, está aqui
Teria sido apenas um "golpe constitucional", baseado no artigo 239 da Constituição hondurenha. Um golpe democrático, ou para salvar a democracia. A mesma justificativa que o jornal O Globo deu, em editorial, para festejar o golpe de 64 no Brasil.
Leia aqui como o jornal O Globo amou o "movimento de 64"
Ali Kamel aparentemente não leu toda a Constituição hondurenha. Convenientemente, ele se esqueceu de ler os artigos que dizem respeito ao direito de defesa e à presunção de inocência. Talvez ele não se interesse tanto assim por Honduras. Ou talvez subscreva cegamente a teoria neocon segundo a qual Hugo Chávez é culpado pelo aquecimento global, pelos congestionamentos em São Paulo e pelo mato que cresce no Jardim Botânico.
Os neocons americanos e a versão caricatural deles que cresce mais que mato no Brasil já faz tempo se dedica a fazer do antichavismo a versão recauchutada do anticomunismo. São trapaceiros intelectuais cujo discurso irracional encobre a falta de argumentos. Desde o macartismo o discurso dessa turma é o mesmo: o mundo está cheio de bichos papões dos quais você não conseguirá se defender, a não ser com nossa ajuda.
Isso até faz algum sentido político quando dito em Washington. Afinal, o neoconservadorismo é um movimento genuinamente americano, cujo valor central é a promoção da supremacia política, econômica e militar dos Estados Unidos. É a versão contemporânea daqueles discursos que sustentavam a supremacia racial dos europeus para justificar as barbáries que praticavam na África, na Ásia e na América Latina.
Há um tom religioso, milenarista na argumentação dos neocons. Eles precisam desesperadamente apresentar os outros como encarnações do demônio. Só assim conseguem vender seus serviços como exorcistas. Já viram as capas de Veja sobre o MST? Então já entenderam o que quero dizer.
Mas eu dizia que os neocons americanos fazem sentido no contexto político e econômico dos Estados Unidos. E lá eles genuinamente se dão bem. São requisitadíssimos como tropa de choque intelectual de interesses econômicos gigantescos. Querem saber quem são? É só ver quem sustenta as duas dúzias de institutos de Washington que servem de poleiro aos neocons locais. E dar uma olhada nos patrocinadores de revistas tipo Weekly Stardard, onde eles pagam marra de "inventores do mundo" diante da elite subintelectual de Washington.
Os neocons brasileiros são subamericanos, assim como a parte "bem-sucedida" da geração de FHC era subeuropéia. Só conseguem se ver assim, ora em uma relação de subordinação, ora em um relação de superioridade diante de seus interlocutores. Trocando em miúdos, descontam no Hugo Chávez e no Evo Morales o profundo sentimento de inferioridade que nutrem em relação aos genuinamente brancos de olhos azuis. Qualquer idéia original, não sectária, é uma ameaça a essa construção mental e, por isso, precisa ser esmagada, especialmente se não tiver recebido "certificação" superior. Por isso, Lula é a encarnação de tudo o que deu errado com o Brasil. E Chávez, na Venezuela.
O que nos leva a Zelaya, que é Chávez. E, se Zelaya é Chávez, tem parte com o demônio. Portanto, quem combate Zelaya é divino. Assim, Micheletti é divino. Do que resulta a reportagem segundo a qual Micheletti assumiu o poder de forma constitucional.
É esse pensamento simplista, binário -- no popular, de tico e teco -- que guia hoje o jornalismo da mais importante empresa de televisão do Brasil. E é divertido quando os fatos se encarregam de espancá-lo.
Horas depois da Globo dizer que Micheletti tinha apenas seguido o artigo 239 da Constituição hondurenha ao assumir o poder, o homem baixou um AI5. Fechou uma rádio e uma emissora de TV. Hoje, em Tegucigalpa, a polícia espancou um colega da Globo, jornalista da maior competência, que aparentemente "ameaçou" os soldados fortemente armados. O mesmo já havia acontecido com repórteres locais e mexicanos. Sem falar nas centenas de pessoas que foram mortas, presas ou espancadas ao longo dos últimos noventa dias pelo "governo interino e constitucional" do JN, pelas quais a emissora passou batido.
O golpe em Honduras não foi golpe apenas porque o presidente constitucional foi tirado de pijama do país, sem direito a defesa, nem julgamento. O golpe representou repressão a todas as demandas sociais dos eleitores de Zelaya. Ele aconteceu em uma região marcada pela supressão brutal e histórica de demandas sociais, frequentemente promovida e em benefício de um pequeno grupo e em detrimento da grande maioria. Foi, portanto, uma quartelada clássica, independentemente das filigranas jurídicas que o editorialista "ditabranda" da Folha e o Ali Kamel nos querem impingir.
Nessa hora eu gostaria muito de ver o Kamel em Tegucigalpa, cobrindo o "governo interino" de Micheletti, aquele que assumiu o poder "por acaso".

www.viomundo.com.br

Ilton Candido

Zói de cabra tonta

Ouvi a expressão zói de cabra tonta lendo Sagarana, de Guimarães Rosa. Pode soar estranho dizer que ouvi algo enquanto lia, mas é o que acontece quando a gente lê as coisas do cara. As palavras ecoam e ficam zunindo. Dá pra ouvir a voz de cada personagem distintamente, cada qual com seus trejeitos.
Não me lembro o nome da personagem nem tampouco em que passagem do livro ele disse isso. O livro não está mais comigo, numa malograda tentativa de sedução emprestei a uma certa dona que não demonstrou nenhum interesse pelo Guimarães, que dirá por mim.
Zói de cabra tonta é aquele jeito negoçado de olhar que algumas mulheres têm e que fica entre o tímido e o sonso. É tão sutil e dissimulado que a gente só vê a parte branca dos olhos. Mas, mesmo assim, ficamos com aquela certeza meio duvidosa de que tá olhando pra nós.

Ilton Candido

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A nossa revolução é mais embaixo.

Nós passamos boa parte do tempo nos espelhando em outras nações. Normalíssimo, considerando que tudo que nos veio de “moderno”, veio de Portugal. País entremeio, porta de entrada (ponto de passagem) para a Europa, porta de saída para o Oriente, via Mediterrâneo. Um país que soube absorver o que era trazido de outras nações. Bom, nós também fomos/somos assim. Ficamos só um pouco atordoados durante a Guerra fria, quando não soubemos/quisemos ficar de um dos lados. American way or Russian life? Uma questão difícil. Resolvemos ficar com os dois. E não ficamos com nenhum.

Dezembro/1980 (Itabuna)– Eu com 11 anos. SSP/BA. Tirar Identidade para me matricular no Ginásio (aquele onde todo mundo estudava vestido, apesar de gymnasium). Prêmio por ter avançado para a 5ª série: vou às 18 horas com minha mãe para o posto da SSP/Instituto Pedro Melo. Funcionava onde é a Escola Profissionalizante. Ficamos até às 7 da manhã. Consigo uma senha. Faço minha identidade. “Pai vou me matricular…” Todos os agentes nos tratavam como “pobres”, ou seja: estão emperrando o estado com necessidades supérfluas, como ter direito a uma identificação, que o próprio estado cria e exige. Um abraço ao Kafka (O Processo), que naquele tempo não conhecia senão pelo tratamento dos agentes da Bahia.

Fevereiro/2009 (Salvador) – Detran/BA. Vistoriar um veículo para troca de proprietário, centro de vistoria para transferência de veículos. Meus caros, ali está um legítimo representante da burocracia paquidérimica estatal (que existe tb na estrutura privada, não sejamos ingênuos). Ninguém informa nada. Manda entrar numa fila onde outras pessoas com seus carros estão. Esperar. Não sabemos qual é a lógica no atendimento, no fluxo, na rotina (um abraço ao Bacon, método? Pra que método?) O agente (vestido com uma camisa de propaganda: “você, cidadão”, do Gov. da Bahia/Detran), tal qual aquele de 1980, nos trata não como cidadãos da propaganda, mas como pedintes. O Estado da Bahia nos transforma em pedintes do serviço público. Quando termina o processo técnico de vistoria no veículo, o vistoriador senta-se e não me diz palavra. Eu pergunto: - “e agora [José]?” Ele: - “espera o carimbador”. O carimbador tem uma camisa diferenciada, branca, de propaganda do Sac Móvel. Está em outras mesas, ocupado, carimbando outros laudos de vistoria finalizados. Vem, carimba. Aí o senhor das vistorias nos manda ir ao outro prédio do Detran (central, prox. Rodoviária) para pagar a taxa (R$ 65,00) e finalizar o processo (não é o de kafka, não, é parecido), imprimir o novo doc e se tudo tiver correto, fim.

Minha conclusão: essa Bahia tão plástica, tão moldável, tão moderna, tão acolhedora consegue, pelas mãos dos governantes, ser a melhor representante da burocracia paquidérmica de que eu tenho notícia. E fico, pra finalizar, pensando numa categoria criada pelo S.B. de Holanda, “O Homem Cordial”, na tentativa de perfilar o brasileiro. Porque penso nisso? Quando estava na espera no Detran, como é um galpão improvisado – vejam que o improvisado pode até ser o galpão, não a rotina, o atendimento – o banheiro é daqueles químicos, pedi uma informação ao agente de branco, o carimbador. Ele quase me levou ao banheiro e deu descarga por mim, tal foi a solicitude na informação. Já quanto ao atendimento que me motivava estar ali, do processo de vistoria, era como um filme mudo para cegos. “Viva feliz, sorria: Wagner governador pra ….. com a Bahia.”

Em tempo, o valor do serviço é o mesmo de uma passagem SSA/Itabuna (Águia Branca). Será que um agente dessa empresa nos trataria assim? Será que continuaríamos comprando um bem ou serviço de uma empresa que nos atendesse daquela forma do SAC Móvel/Detran? Temos mais algum tempo pra pensar. Nos vemos nas eleições de 2010. Até lá.

Jailson Alves – Professor, escritor, cidadão.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Um pouco do Darcy Ribeiro romancista

Aqui estou eu, outra vez, nessa sala do meio da casona, hoje minha, amanhã sua. Menos minha hoje do que ontem. Mais hoje do que amanhã. Um homem que se acaba nessa babação de cavalo é lá dono de nada!
Nem de mim sou dono, nesta vidazinha minha que vai escorrendo e pode estancar agora, daqui a uma semana ou daqui a um ano. Quem sabe? Médicos? Fui ver o doutor Consta e o doutor Mauricinho. Cada um levou meus cobres mas só me deu conselhos, sempre os mesmos. Não fumar. Não beber. Não nada e esperar. Com resguardo o senhor pode viver anos. Remédio que me alivie, nenhum. Só aspirina dessas mais vagabunda e esperar. Esperar, o quê? Esperar o senhor, seu padre? Esperar a morte? Esperar!
Nisto estou, esperando, com ânimo de um cagão, menos por medo do que por cansaço. Medo de morrer, tenho e confesso. Na verdade mais desgosto do que medo. Meu medo mesmo é morrer sem remissão dos meus pecados para ficar feito alma penada, assombrando gentes e bichos pelos ares desses campos que são meus ou que terão sido meus. Mais meus ainda eles não seriam se por eles eu voejasse eternamente vaquejando uma tropa fantasma? Esse fadário não quero seu padre, por isso confesso e peço.
É triste um homem cair neste estado: roído, aguado e espumoso dentro dos peitos; carunchado por fora no ânimo de viver. Os prazeres ruins e bons passaram e o senhor verá que nunca foram tão grandes. Jamais fui homem capaz de gozos maiores. Um cigarrinho de bom fumo cheiroso, em palha macia; um trago de pinga destilada em alambique de barro; comidazinhas como o picadinho de quiabo com angu de Inhá, a cachorra safada; e fodeções, principalmente fodeções.
O melhor da vida são fodeções, seu padre. Tanto as de passagem meio mijadas; como as estiradas, gozosas. O senhor não sabe disto, penso eu. Mas aqui digo ao senhor, de homem a homem, o melhor dos arranjos de Deus foi este de dividir a criação em machos e fêmeas e pôr um ímã em cada um para buscar o outro. Disso entendo. Meu ofício verdadeiro, de minha vida inteira, foi o de muleiro; sou, de arte, acasalador de animais. Até de animais desencontrados como cavalos e jumentas, asnos com égua e suas crias, ditas híbridas e estéreis, mas das quais eu, algumas vezes, colhi crias, os bardãos.
Quando digo que o gozo da fodeção é geral nas criaturas de Deus, digo com tino, de experiência. Digo e repito, seu padre, que isso é verdade não só para os homens e bichos maiores, mas para toda criaturinha vivente, como nunca me cansei de ver. Os cágados são fodedores safadíssimos e o macho é munido de uma peça de fazer inveja. Os caramujos, veja o senhor, esse bichinho á toa, fodem dobrado, pois cada qual sendo macho e fêmea, os dois se fodem e se comem ao mesmo tempo, gozando por demais. Até o escorpião, esse trem asqueroso, mostra gozo fodetório, ainda que o macho perca o pau na fornicação.
Acho, por isso, que se há alguma coisa do gosto de Deus é a fodeção, não só para reproduzir, mas pelo gozo dela mesma. Penso que nem aos padres, o senhor me permita, se devia negar este gozo, que é da vontade de Deus.
Aqui estou eu me desbocando em desrazões que não hão de cair bem ao senhor. Não posso me esquecer de que se escapei das balas de Doía e de tanta outra bala, decerto foi para ter essa oportunidade de confessar e de receber absolvição dos revessos e pecados que levo comigo e de que preciso ser lavado e remido.
Nesta sala do meio dos Laranjos, hoje, quinta-feira de tardezinha, um homem, eu, espera a morte. Não será para hoje, nem para amanhã, eu sinto, mas será. Esta certeza acaba com o resto do gostinho de viver que ainda tenho.

Trecho de O Mulo, de Darcy Ribeiro.

Ilton Candido

Seção Cordel




Senhores me adiscurpe
Pru não ser eu um letrado
Num passo de um jumento
Pela vida dipromado
Não sô mestre em Latim
Nem em Grego dotorado

Pra lhes falar a verdade
Tenho muita restrição
A quem fala parecendo
Um padre de ocasião
Metendo adonde num deve
Palavras na contramão

Um discurso faladô
Mas de istora vazia
Como os miolo dum pote
Da casa da minha tia
A jumenta mais letrada
Aqui dessa freguesia

Ela istudo na UESC
Formada im filosofia
Um papo muito manero
De encher até um dia
Entrava no pé do sapo
Saía pelo pé da gia

Este fato cunteceu
Já tem quase dois mil ano
De quando me batizaro
Como se fosse um humano
Só estou contano agora
Modi meu fim vim chegano

Naquele tempo levava
No meu lombo um magro ome
Era leve como pena
De passarim que num se come
Andei mais de deiz légua
E inda num tinha fome

Nóis cheguemo num riacho
Donde Jão Batista tava
Batizando todo povo
Que por ali se incrontava
Eu levano aquele ome
Sem saber quem eu levava

Quando entremo no riacho
Era grande o alvoroço
Gente que nem furmiga
Segura pelo pescoço
Jão Batista batizava
na parte rasa dum poço

Quando a nois avistou
Eu e meu bom Jesus
largou quem batizava
Fez o sinal da cruz
Ajoelhou e disse alto:
- Chegou o anjo da luz

- Chegou nosso senhor
Aquele que salvará
Toda a gente desse mundo
Agora eu vou batizar
Para que Ele possa
Água em vinho transformar

- Com Ele cego vai ver
Alejado vai andar
Pois desceu de lá do céu
Para aqui se comportar
Como o filho de Deus-Pai
A todos vai ajudar

Eu estava bem pertinho
A tudo isso dimirá
Jão Batista me pegou
Pelo cabresto a puxar
Dizendo: - o condutor do senhor
Eu também vou batizar

- Não sei se é correto
Um animal batizar
Mas das benesses divinas
Esse bicho vai gozar
Pode zurrar a vontade
Comer até se fartar

- Pode ser que seja errado
Um jumento batizar
Mas em seu santo lombo
Ajuda o Senhor a andar
Pelo mundo inteiro afora
Muitas vidas a salvar

Adispois do impisodi
Do batizado qui tive
Me senti aqui na terra
Das criatura que vive
A mais portante de todas
Mais que os ome, incrusive

Eu agora batizado
Um animá cuma um santo
Num quero mais andá
Sem usá no lombo um manto
Penso inté im aprendê
A zurrar im isperanto

A partir desse momento
Só vou usá ferradura
Se for de oro ou de prata
So vou cumê rapadura
Cabresto num uso mais
Istraga minhas dentadura

Cigano num quero vê
Nas minha vista riscá
Pois eles leva a vida
Aos animá maltratá
As veiz nos bota num rolo
Só pra pudê oreá

Terminado o batizado
Saimo a milagrear
Eu mais alegre que Cristo
Sem ninguém a me zombar
Se zombasse dava um coice
Que era capaz de matar

Eu também milageava
Pelos pasto adonde andava
Quando a seca tava braba
E um jumentinho chorava
Por falta de mato verde
Eu logo lhe acalentava

Se só tivesse um pão
Com a ferradura apontava
De um pão fazia capim
Braquiarão não faltava
Se pegasse num graveto
Mio assado virava

Feliz assim ía nois dois
Eu e meu bom Jesus
Sem saber que adispois
Iam lhe botar na cruz
De nada valendo aquilo
De ser o anjo da luz

Eu mermo tava bem perto
No dia de sua afrição
Entregaram a Jesus
Como se fosse ladrão
Pregando ele na cruz
Prego nos pé e nas mão

Nesse momento eu juro
Foi grande a escuridão
Meu Jesus enxovalhado
Por aquela multidão
Dizendo prega na cruz
Pode soltar o ladrão

Com aquilo que eu vi
Fique muito avexado
Disbribui mais de mil coice
Vendo que era falado:
- Esse jumento tá doido
Deve tá maconhado

Aí eu disse: - isso é nada
Oces vão vê é agora
Vou dar coice dia e noite
Até romper a aurora
Se pegar em sua cabeça
Pode inté rancar fora

E coice foi adoidado
Dentada tumém eu dei
Pegasse adonde pegasse
Mas de cem eu derrubei
Dei uma rabada numa véa
Que até os peito mostrei

E tinha tumém um tar Pilatos
Que as mão tava lavada
Dei um coice nas costela
Ficou de cara vexada
Quando ouvi ele dizê:
- Acode aqui, macacada

Judas tava bem perto
Ameacou se mexê
Dei-lhe um coice nas perna
O cabra pôs-se a gemê
- Traidô de Jesus Cristo
De coice tu vai morrê

E intão arresorvi
Usar todo meu cartaz
Cum pai de todo burro
Que se chama Ferrabrás
Para que Cristo assubisse
Pras terras celestiais

Lá no ceu Ele terá
Seu discanso merecido
E aqui na terra Ele
Nunca será isquicido
E ainda será como
Se não tivesse morrido

Eu sai dali sozinho
Triste sem meu Jesus
Mas tumem tava feliz
Por não ter ido pra cruz
Com mesmo fim Cristo
O dito anjo da luz

Essa passage que tive
Quero aqui terminá
É tão real quanto a vida
Das pranta e dos animá
As ferradura de oro
Vem a mim testemunhá

Um amigo que eu tenho
Inspirou esse ditado
Por dá coice por aí
Sem se fazer de rogado
Botaram nele o apelido
De jumento batizado

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Películas

Pensando que a gente pode trocar figurinhas sobre cinema e na tentativa de amenizar a frustração de não ter conseguido formar um cine-clube papa-jaca, inauguro no Puluxia a sessão Películas.

Vou começar por algo que assisti recentemente, me impressionou muito e está disponível nas locadoras (pelo menos na Art). Trata-se de “O visitante” (2007) de Thomas McCarthy, o mesmo diretor de “O agente da estação”. Ele é roteirista e ator, nasceu em New Jersey e tem 43 anos. O filme é norte americano e dizem que é independente, mas eu não sei o que é mesmo cinema independente hoje.

No primeiro plano, a trama aborda o problema da imigração norte-americana pós 11-09. Walter, o personagem principal, interpretado de forma acertadíssima por Richard Jenkins (que sempre faz papéis de coadjuvante), tem 62 anos e é um professor universitário da pior qualidade. Não dá a mínima pra seus alunos, nem pra disciplina, nem pra instituição em que trabalha. É indiferente, letárgico e falso. Uma múmia de academia. Esse sujeito (argh!) conhece, em uma situação absolutamente inusitada, um casal de imigrantes, Zainab e Tarek. Ela, uma artesã senegalesa, linda, desconfiada, sofrida. Ele, um músico sírio, gato, sedento de vida, de sorriso enorme e franco. O cenário não poderia ser mais apropriado: Nova York e sua diversidade cultural, as ruas, parques, metrô e a horrorosa estátua da liberdade, que aparece quando em vez tornando a situação da caça aos imigrantes um paradoxo ainda maior.

Além das excelentes interpretações, destaco o poder da música, que na película funciona como um ponto de intersecção e de ancoragem dos personagens Walter e Tarek. A paixão pela música mantém a conexão deles com o mundo e deslegitima lugares socialmente estabelecidos. A música é um atravessamento das identidades, da cultura, dissolve intolerâncias, promove empatia. No mais, o filme retrata com muita sutileza o preconceito e a discriminação raciais, o exílio compulsório, a solidão contemporânea e a beleza do encontro nas relações humanas sem embarcar no melodrama. Desfecho fácil, nem pensar. Como diria mainha, um brinco!

Indaiara Silva - Professora e cinéfila

Laércio

O diabo é a modernidade. Dizendo assim, parece uma frase tirada da obra de Goethe. E não é precisamente disso que quero falar.

Sou um sujeito que sente falta daquilo que mora dentro de mim. Sinto falta da infância, da escola, de riachos, de livros, de amigos. E tenho acordado com esse sentimento já há alguns dias. Tô sentindo falta de um cara, Laércio, com quem eu tinha uma amizade tão grande, construída em relativamente pouco tempo.
Ele foi assassinado de uma maneira covarde. (posso dizer que todo assassinato é uma maneira covarde de se encerrar uma discussão, uma disputa?) Bom, foi assassinado e deixou uma lacuna enorme em diversos espaços. Era negro e lutava pela causa dos negros; era pobre e lutava pela causa dos pobres. Nunca tinha uma palavra arrogante e nunca se exasperava. Tive oportunidade de, muitas vezes, verificar como ele agia em todas as circunstâncias, sem mudar, sem ceder, mas sem usar argumentos ilegítimos à discussão. Numa dessas ocasiões, o Sintesi, sindicato em que ele trabalhava, o demitiu. Ele disse que iria montar seu escritório naquelas árvores que ficam na praça em frente ao Banco Itaú, que não me lembro o nome agora. Bom, continuava indo ao sindicato nas eleições, teria a oportunidade de oferecer uma vingança, alimentanto os sonhos da oposição de montar uma chapa e derrotar o grupo no poder. Mas eu o vi costurar uma aliança entre os opositores de tal maneira que tivemos uma chapa única e sem dissidências. Era assim, não guardava rancor, nem ódio. Seu coração era cheio de atenção e afeto aos amigos. Tenho dele a imagem daquele que fora o mais sensato ativista de esquerda que conheci. Sem aquele ar de intelectual que a gente adorava ter na universidade. E não me conformo até hoje. Penso que ja valeria a vida após a morte – e não creio absolutamente nisso - se tivesse a oportunidade de encontrar de novo aquele negão, dar-lhe um abraço e dizer-lhe que a humanidade ficou mais desumana sem ele.

E de relance fico pensando no que ele estaria fazendo, como estaria reagindo e em quais foruns estaria lutando se tivesse presenciado essa explosão da internet como mídia, ele que não ficava pra tras em nenhuma discussão.

Jailson

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Encantado

Ele estava nervoso, era visível, quando não estava tocando o violão não sabia bem o que fazer com as mãos. Marcelo Ganem é cantor e compositor, certo, já faz tempo, mas não é do tipo celebridade. É gente nossa, que vemos na rua e cumprimentamos, que abre a loja no comércio de Buerarema, que encontramos em Itabuna, quando vem resolver alguma coisa. Um cara tímido e discreto, o que só engrandece seu talento.

Mesmo tenso pela estréia do novo show, Marcelo Ganem nos presenteou com um belo espetáculo. Misturou algumas das suas músicas mais conhecidas, outras do novo CD, e outras mais de artistas da MPB, como Djavan, Gil, Chico Buarque, Milton e Jorge Vercilo. Acompanhado por uma banda harmoniosa, afinadíssima, direito a dançarinos, e de lambuja teve participações especiais do seu sobrinho, que não lembro o nome, e alunos da Escola Clave de Sol.

Segundo disse em entrevistas, Marcelo passou 4 anos para realizar o CD Encantado. Fez a produção sozinho e com recursos próprios. O músico se diz satisfeito com resultado final, com as canções inéditas, bons músicos, arranjos caprichados. Ficou claro o mesmo cuidado de Marcelo na produção do show. Na escolha de repertório, nas músicas bem ensaiadas, no desenvolvimento do espetáculo e atrações especiais.

Enfim, um amor à arte que emociona. Um jeito de fazer arte que anda muito difícil aqui na nossa província. Coisa de quem acredita no que faz e tem uma ética que leva ao esforço de oferecer o melhor ao público. Eu até achei que teve Jorge Vercilo demais, e que faltou umas duas músicas do próprio Marcelo que eu queria ouvir, mas, sem dúvida, deu gosto de ver.

A música de Marcelo Ganem tem o jeito desse lugar. Se parece com Buerarema, Ilhéus, Itabuna, Itacaré. Tem cheiro da mata, de cacau, de praia, da serra e até das nossas favelas. Fala da nossa cultura e já é parte dela. Que tenha o sucesso que merece nesse novo trabalho, e que o público daqui (tão desatento) reconheça um talento tão raro e tão nosso. Obrigado, Marcelo, você é a nossa melhor trilha sonora.

Aquilino Paiva
Professor, Videomaker e escritor

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ENCONTROS GRAMATICAIS


Nos dias 25 e 26 de Setembro, as 19 h, no Espaço Cultural da Barroquinha (pode descer pelo espaço Unibanco Glauber Rocha, escadarias da lateral) acontecerá a estréia de "Encontros Gramaticais". Trata-se de uma leitura dramática em que dois personagens - Comum de Dois Gêneros e Rubrica - interpretadas por Ivana Chastinet e Irema Santos, vivem suas narrativas pessoais utilizando termos e expressões da gramática da Língua Portuguesa, levando o público a emoções universais. Após a leitura de 40 minutos, o público interage com as atrizesnum caloroso dialogo/debate sobre o tema: O Racismo Linguístico no Brasil, mediado pela professora de Língua e Literatura Portuguesa, Naynara Tavares, quando será abordado os subtemas língua e poder, preconceito linguístico e inadequação da gramática, buscando uma reflexão a respeito da exclusão social que se dá sob o prisma de superioridade de uma variante linguística, a dita "culta" em detrimento da língua "popular". Aguardarei vocês.

Resumo da Abordagem

O Racismo Linguístico no Brasil


Uma marca característica da língua Portuguesa no Brasil é a diversidade, isto porque a língua é cultural e sendo cultural, a diversidade é um reflexo dos variados contextos sociais. A super-valorização da gramática – manual de uso da língua padrão – é uma tentativa de conservar e uniformizar a língua, a partir de uma variante da língua, que é a língua do dominante. Entretanto, temos consciência de que se não desconstruirmos a cultura do certo e o errado da língua, e passarmos a compreender as variedades com suas riquezas expressivas, estaremos fadados ao repetitivo fracasso escolar, visto que a própria gramática é incoerente em muitos aspectos, pois ao invés de descrever a nossa língua como ela é, ela se distancia absurdamente da realidade, e, acaba por descrever a língua como deveria ser tomando como parâmetro a escrita do passado, ou seja, a gramática é uma coisa e a vida é outra, tornando o estudo da língua algo apenas para a conquista de diplomas, certificados, aprovação em vestibulares, concursos, enfim, perde-se a função de se estudar e refletir a sua própria língua.

Naynara
Informações: 31159005/71-88749021/ 73-88196671

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

“Estatuto Desidratado”

Assim o deputado federal Damião Feliciano (PDT-BA) denominou o Estatuto da Igualdade Racial aprovado na Comissão da Câmara de Deputados, e que agora vai para o Senado sem tocar na questão das cotas nas universidades, sem definir sobre a titulação das terras quilombolas, eliminando as cotas para negr@s na TV, diminuindo de 30% para 10% o percentual de candidat@s negr@s nas eleições e deixando de definir o que é racismo na sociedade brasileira.

Para quem, como eu, considera que a democratização do conhecimento e da terra, a presença das negras e negros nas instâncias de poder e a afirmação da negritude nos meios de comunicação de massa são pontos cruciais na luta anti-racista e na constituição de uma sociedade menos desigual, esta aprovação representa um retrocesso imenso.

Para Paim, deputado do PT e presidente da Comissão, o Estatuto não é o ideal, mas o possível, principalmente diante da correlação de forças existente no Congresso "Aprovamos porque é melhor 20% de alguma coisa do que 100% de nada", diz o deputado. Vale lembrar que o texto está na Câmara desde 2003, sendo amplamente discutido com a sociedade e com o próprio Senado, e foi alterado no lusco fusco, em um conchavo com a bancada ruralista do DEM.

Logicazinha canhestra essa que afoga em negociatas escusas com latifundiários racistas direitos conquistados historicamente em tantas lutas! Mas, compreendo que era preciso correr atrás de um marco legal, afinal Lula quer assinar o Estatuto em 20 de novembro - dia da Consciência Negra - como um dos grandes feitos do seu governo nessa área. E então teremos um Estatuto da Igualdade Racial no Brasil, o que me faz lembrar de algumas (outras¿) letras mortas: Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto...

Indaiara Silva, professora.

ESCOLA ABERTA NA BAHIA

Prezados/as,

Neste domingo, 20 de setembro, o Bahia Revista estará exibindo uma reportagem sobre as dificuldades do profissional das artes, em especial, o teatro, e, em um dos momentos, o Programa Escola Aberta estará sendo não apenas citado, mas também explicado a partir de uma cobertura das oficinas de artes, esporte e lazer e de saberes profissionais diversos, ministradas por agentes/talentos da própria comunidade e acontecem nos finais de semana, nas escolas públicas. Esta iniciativa partiu de uma ação da coordenação de articulação escola e comunidade da SUDEB, da Secretaria Estadual da Educação, buscando fortalecer os princípios do prgrama no interior das escolas, divulgando e socializando os resultados da educação comunitária que o programa promove, a partir da encenação de um espetáculo teatral "Canto de Aprendiz", cujo elenco é composto por jovens-atores oriundos das periferias de Salvador, sendo o texto assinado e dirigido pela atriz Tânia Tôko - Neusão, em Ó Paí, Ó, também agitadora cultural na comunidade de Caminho de areia/Massaranduba. O Programa Escola Aberta é financiado pelo MEC e coordenado pelas secretarias de estado e municipal em todo o Brasil. na Bahia, funciona em 60 escolas da rede estadual, 21 da rede municipal de Lauro de Freitas e 47 na rede municipal de Salvador.
Informações 31159005


Naynara Tavares Moreira
Coordenadora de Articulação Escola e Comunidade
CEC/DIREP/SUDEB/SEC

Nelson Rodrigues, um reencontro

Estive em Timor-Leste, alguns sabem. Lá, todos os anos as embaixadas Brasileira e Portuguesa promovem a Feira do Livro Lusófono (que é quase na totalidade livros portugueses e brasileiros, uma pena). É um esforço para se criarem leitores em terras timorenses. Particularmente, após os quatro anos que lá vivi, não penso que seja caso de mais livros, mas sim, formar leitores, usar outras estratégias para se criar o hábito de ler, como alias, também se requer aqui no Brasil. E eu comecei esse hábito, motivado pelo meu irmão mais velho, que lia, com outro amigo, os gibis de Walt Disney. E eu ficava pegando os descartados para ler as figuras. Depois, ganhei do meu pai "Histórias do Fundo do Mar", onde viajei para aquele universo, guiado por uma piabinha. Já na escola, Ensino Fundamental, que naquele tempo se chamava Ginásio (mas todo mundo estudava vestido!), tínhamos projetos de leitura por Série. E foi aí que descobrir, acho que muitos de minha geração também, a Série Vagalume. Eta coisa porreta! E mais, 6ª Série, os Regionalistas (J. Amado, G. Ramos, outros). E por aí se ía. Escola Pública, década de 80, sec. XX! Mas não era exatamente disso que queria falar. É que, em cada feira lá no Timor eu adquiri uma quantidade de livros e os enviei ao Brasil (podíamos comprar após 3 dias de compras só pra timorenses). E estava apartado deles. Semana passada fui a Tabocas e resgatei muitos, e que delícia de reencontro.

Tomei de novo um Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, reunião de suas crônicas de 1967/68, selecionadas por Rui Castro. Notei muita coisa nessa releitura. Nelson é um gênio. Nisso não há novidade. Em sua constatação (com o exagero que lhe foi a tônica de sempre) de que o único escritor brasileiro é Guimarães Rosa. Haverá, nisso, muitas e justas discordias. Há tantos: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Patativa do Assaré, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Drummond, tantos outros.

Quero dizer de Nelson: ele cria uma atmosfera densa com uma única palavra, uma frase. E tem tiradas que inicialmente poderiam soar como gracejos, piadas, e no fundo, é uma grande reflexão sobre o homem, o Homem, a existência. E ele argumenta, para melhor exemplificar nosso reencontro: "a arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos." (Uma Banana Como Merenda, pag. 43, in O Óbvio Ululante, São Paulo, Companhia das Letras, 1993.) Nas páginas anteriores ele diz: "a grande dor não se assoa", ou, mais adiante: "era bonito ser histérica", esses que contam o caso de uma viúva que galopou o caixão do marido, e dava solapões em quem tentava oferecer-lhe um lenço. Eu estava precisando de um pouco de Nelson, nesses tempos de hoje, onde é raro encontrar em conversas ou textos uma inteligência refinada como a dele.

Jailson Alves

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A onda aparece. Uns surfam. Usufruem, se envolvem: twitter.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DANÇA DAS SOMBRAS


"Vai-se a primeira pomba..."
e as demais...
Como ficaria extasiado
se no céu
somente pombas pairassem!

Agora os anjos esperam
- soturnamente -
mais uma alma pueril.

Vai-se o primeiro garoto:
Lábios secos, olhos fundos
Mais osso do que pele.

Sobe nesse instante
uma menina
que há muito
não via
as asas alvas
de uma pomba.
Somente a
orquestra dos urubus
bicando o seu futuro.

Seu sorriso sem dentes,
Seu pulmão tubérculo,
Sua grande agonia,
São indícios de um tempo
Em que a esperança
É um ultraje ao pudor.

(DANIELA GALDINO)

Nova modalidade esportiva

Em Itabuna um novo "esporte" vem ganhando cada vez mais adeptos, é o "arremesso de lixo das alturas". Praticado por moradores de apartamentos, consiste em atirar sacos de lixo pelas janelas não importa de que altura seja. Ganha o título de porco da semana quem tiver a cara de pau de jogar o lixo do andar mais alto e conseguir espalhá-lo pela rua o máximo que puder. Perde a saúde pública, as normas de higiene e de boa convivência e perde eu que tenho vizinhos que são atletas de ponta nessa modalidade.

Ilton Candido

MAIS PULUXIA, EM CONFORMIDADE COM A LEI DO UPLOAD

Pessoal, empolgado com o movimento de apenas um dia de blog, estou na fissura de explorar as possibilidades de incrementar o espaço.

Futucando as ferramentas para configuração e aparência consegui inserir um contador de acessos e também uma imagem no cabeçalho. Fiz uma arte aí na pressa para experimentar. Não está lá grande coisa, mas pelo menos agora está personalizado. Vamos blogar com estilo. Aceito sugestões para uma nova arte, ou, voluntários que queiram fazer uma outra.

Precisamos também de um texto de apresentação, que explique para que o blog existe e se destina. Tá lançada a peleja.

IMPORTANTE! Vamos assinar os uploads, senão aparece todo mundo só com o nome de puluxia.

Abraços,

Aquilino

UNIVERSO PARALELO

A assinatura do convênio de cooperação técnica entre a UESC e a Prefeitura de Ilhéus pode ser o pontapé para a saída do estado de letargia em que se encontra a universidade nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito à interação com a sociedade regional. A ausência da UESC no debate sobre temas importantes para a região, como o gasoduto, a implantação do complexo intermodal Porto Sul, a demarcação de terras indígenas, a criação de uma Universidade Federal e outros de igual relevância, há muito vem provocando indagações.
Muitos jornalistas e blogueiros da região já abordaram o distanciamento da UESC dos assuntos de interesse das cidades da região e alguns chegam a afirmar que as faculdades particulares estão mais antenadas com o cotidiano. Muitos vêem a UESC como um universo paralelo, em que os assuntos de seu interesse não têm ponto em comum com as principais demandas regionais, apesar de situadas no mesmo plano.
Das “teorias” que tentam explicar tal fenômeno, pelo menos três chamam mais a atenção. A primeira tentativa de explicação se refere à localização geográfica da universidade. Para os defensores desta tese, o fato de encontrar-se relativamente longe dos centros urbanos justificaria o isolamento da universidade.
A segunda é a mais defendida e a menos assumida, pois envolve questão melindrosa que, se mal explicada ou mal interpretada, pode resultar em peleja das brabas. Diz respeito ao grande número de professores de outras regiões do país na universidade. Segundo os adeptos deste pensamento, “os estrangeiros”, por não possuírem vínculos culturais com a região, geralmente não se sentem parte dos problemas locais. Os mais radicais chegam a afirmar que a UESC tem servido apenas para turbinar os currículos lattes desses professores, que depois voltam para seus locais de origem ou se transferem para as federais, atraídos pelas vantagens salariais.
A terceira tentativa de explicação, não menos polêmica, afirma que o inegável crescimento da UESC nos últimos anos na área de pesquisa teve como ônus a diminuição da importância dos demais pilares que sustentam uma universidade, o ensino e a extensão, apesar da ampliação significativa no número de cursos, inclusive de pós-graduação. Para os que defendem esta tese, a UESC é o império da tecnocracia. Professor ou estudante que não estiver envolvido em nenhum projeto de pesquisa e que se dedique apenas ao ensino é discriminado; que o diga o professor Walter Silva, quando da eleição para reitor. Se além de não pesquisar ainda for “metido em política”, a coisa fica pior do que doença contagiosa. Obviamente aqui não se pretende desmerecer a atividade de pesquisa no âmbito acadêmico, mas antes evidenciar e criticar a falta de relevância social de muitos projetos e até mesmo o excesso de tecnocracia.
O fato concreto é que das universidades estaduais da Bahia a UESC é, inegavelmente, a mais conservadora e a menos articulada politicamente. A UESB, sobretudo com o campus de Vitória da Conquista, participa ativamente da política local (o ex-reitor é deputado estadual no segundo mandato e líder do governo; o ex-prefeito é doutor/professor/pesquisador com muitos trabalhos publicados). Na UESC, o máximo que se consegue em termos de participação política são aqueles debates insossos realizados com candidatos a prefeitos de Ilhéus e de Itabuna. Nesse contexto uesquiano, como não poderia deixar de ser, as pessoas que ainda insistem em debater questões sociais ou que tentam resgatar entidades como o DCE, a ADUSC e a AFUSC encontram muitas dificuldades. A região espera muito mais da sua única instituição pública de ensino superior - mas tal expectativa esbarra na cortina de ferro erguida pelos grupos hegemônicos que compõem a comunidade acadêmica.

Ilton Candido

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Mãe de Pantanha - Autor: Alves Grapiúna

- Era a Mãe de Pantanha e mudava para Flávia Alessandra, depois já era você e mudava de novo. Foi naquela hora que acordei. Estava com um frio danado.

- Mas ontem quando você acordou disse que estava sonhando comigo.

- E estava, mas dessa maneira que as pessoas são nos sonhos. Era você, e num pentelhinho de anjo, já não era. Quer dizer, no todo era você, mas como eu contei agora: Flávia Alessandra, a Mãe de Pantanha e você. Eu estava apaixonado.

- Estava ou está?

- No sonho eu estava.

-Você se debateu o tempo todo.

- Quando virou você foi que eu falei: “e dizer que estraguei anos de minha vida, que eu quis morrer, que tive meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não fazia o meu gênero!”

- E era comigo?

- Quando comecei a falar, era seu rosto, e demudava: já era a Mãe de Pantanha e zás! Flávia Alessandra. Eu esquecia o que estava falando e já era você de novo. E, olhando seu pé, pensava: vou comer Flávia Alessandra, hahaha. Nessa hora, acordei.

- Ainda bem!

- “Ainda bem” o cacete! Quase comi Flávia Alessandra!

- Mas não comeu e quis descontar em mim, dizendo aquela besteira. Isso é de algum livro, né?

- Não sei. Não me lembro. Vou ver no Google!

- Hora de ir trabalhar... sonha só comigo hoje, ta?

- Vou me esforçar, mas não prometo, a concorrência é grande!

Os Treze Mandamentos do anti-cientista pós-moderno e radical

1. Se o cientista tenta explicar as coisas com base na ciência conhecida, está sendo dogmático.

2. Se admite que não consegue explicá-las com base na ciência conhecida, está sendo preguiçoso.

3. Se tenta mostrar que a ciência atual pode explicar a maioria das coisas, está sendo arrogante.

4. Se tenta explicar o que sabe de maneira a ser entendido, está sendo paternalista.

5. Se nega frontalmente os testemunhos como provas, está sendo agressivo.

6. Se escuta pacientemente as pessoas, está sendo fraco.

7. Se usa a ciência para combater os argumentos dos outros, está sendo chauvinista.

8. Se usa a lógica para combater os argumentos dos outros, está sendo falacioso.

9. Se mostra que que certos fenomenos têm explicações banais, está sendo sarcástico.

10. Se tenta enquadrar as coisas numa perspectiva geral, está fugindo ao tema.

11. Se tenta explicar as coisas uma por uma, está sendo reducionista.

12. Se tenta explorar vários raciocínios possíveis, é incoerente.

13. Se se mantém sempre firme no seu raciocínio, é fanático.

Devastação em versos

Continuando a lei do up!

Lembro da música que mais cantei nos tempos de agora de UESC, quando ia pra saídas de campo na "mata ha já vão matar"...
Aprendi a gostar da biologia cursando, mas de Xangai com meu tio, aparentemente mentor intelectual dessa nova lei.

E uma vez contei quantas ávores dessas eu nunca tinha visto... nem verei in vivo.

Enqunto muitos perdiam e perdem seu tempo ouvindo arrocha e ralando até o chão...

Matança
Cipó caboclo tá subindo na virola
chegou a hora do pinheiro balançar
Sentir o cheiro do mato da imburana
Descansar morrer de sono na sombra da barriguda
De nada vale tanto esforço do meu canto
Prá nosso espanto tanta mata ah já vão matar
Tal Mata Atlântica e a próxima Amazônia
Arvoredos seculares impossível replantar
Que triste sina teve Cedro nosso primo
Desde menino que nem gosto de falar
Depois de tanto sofrimento seu destino
Virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar
Quem por acaso ouviu falar da Sucupira
Parece até mentira que o Jacarandá
Antes de virar poltrona, porta, armário
Moro no dicionário vida eterna milenar
Quem hoje é vivo corre perigo
E os inimigos do verde da sombra o ar
Que se respira e a clorofila
Da mata virgem destruída vão lembrar
Que quando chegar a hora é certo que não demora
Não chame Nossa Senhora só quem pode nos salvar
ÉÉÉ...., Caviuna, Cerejeira, Baraúna, Imbuia, Pau-d´aco,
Solva, Juazeiro e Jatobá
Gonçalo Alves, Paraíba, Itaúba, Louro, Ipê, Paracaúba,
Peroba, Maçaranaduba
Carvalho, Mogno, Canela, Imbuzeiro, Catuaba, Janúba, Aroeira, Araribá
Pau-ferro, Anjico, Amargoso, Gameleira, Andiroba, Copaíba, Pau-Brasil, Jequitibá

Quem hoje é vivo, corre periiiiiguuuu



E emendando a Tristeza dessa bióloga, Geraldo Azevedo me enche os olhos d'água
com a interpretação de Saga da amaZônia

No lugar que havia mata, hoje há perseguição
Grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão
Afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé da Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão:

Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro
Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
Roubou seu lugar

Foi então que um violeiro chegando na região
Ficou tão penalizado e escreveu essa canção
E talvez, desesperado com tanta devastação
Pegou a primeira estrada sem rumo, sem direção
Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
Dentro do seu coração.


Essa é minha contribuição... e quem não gostou que "up" outra

Waneyma Ferreia

Obrigada!



Wilson Aragão: poeta-cantador, “virado no diabo” e “retado com você”

por paula última modificação 20/03/2008 13:20

ENTREVISTA Autor de“Capim-Guiné”, música que tornou-se famosa na voz de Raul Seixas, vive em assentamento do MST, em Santo Amaro, na Bahia

ENTREVISTA Autor de“Capim-Guiné”, música que tornou-se famosa na voz de Raul Seixas, vive em assentamento do MST, em Santo Amaro, na Bahia

Paulo A. Magalhães, Paulo A. Magalhães Fº e Vagner Carneiro

de Salvador (BA)


ARTISTA IDEALISTA, pedagogo e engajado na luta do povo, o sem-terra Wilson Aragão é natural de Piritiba, mas morou muito tempo na roça, em Mira Serra e Morro do Chapéu. É fi lho de um pedreiro negro com uma professora primária, descendente de portugueses, e neto de uma cabocla da mata, que “foi pega no laço pra casar com seu avô”, como ele diz. Lúdico e imprevisível, conciliou, por um período de sua vida, a arte com a burocracia, ao trabalhar no setor de recursos humanos de grandes empresas em São Paulo e no Pólo Petroquímico de Camaçari, sem permanecer por mais de dois anos em cada. Militou no movimento sindical ao lado do governador do Estado, Jacques Wagner, e fez política partidária junto com Capinam, Gonzaguinha, Fábio Paes e Jorge Portugal. Gravou três CDs, e suas músicas foram interpretadas por artistas de várias gerações. Atualmente, sobrevive apenas de música e é integrante do Assentamento Eldorado (“Pitinga”), do MST, em Santo Amaro, onde é muito querido pela comunidade.


A conversa que se segue, sintetizada aqui nos trechos mais significativos, ocorreu na Secretaria do MST, em Salvador, entre risadas e goles de cervejas ingeridas pelo entrevistado, que traçou um rico painel da sua trajetória de vida e musical. Das mágoas com setores de esquerda aos sonhos de contribuir com a luta do MST, além de suas composições e das pinturas ao lado da sua companheira, que promove aulas de artesanato no assentamento em que reside e comercializa produtos.


Para iniciar, fale de sua experiência no campo. Você plantou num sítio no sertão de Piritiba, pegando na enxada como pega um catingueiro, como conta na música “Capim-Guiné”?

Wilson Aragão(Risos!...) Trabalhei muito com meu pai, na foice. Ele era um bom pedreiro, construiu dez casinhas simples de adobe, depois vendeu e comprou um sítio no sertão de Piritiba. Mais tarde, compraria o outro lado da estrada. Enquanto capinava, abrindo as covas, eu ia jogando as sementes e tapando as 70 ou 80 tarefas de feijão, milho, banana, aipim, mandioca, caju, jaca, entre outras culturas. Catei muita mamona e puxei carro de boi para pegar madeira da floresta. Lembro que na roça ele tinha um rádio de seis faixas, e quando a gente estava trabalhando ele aumentava o volume pra gente escutar a música, numa distância de 50 a 100 metros. Gostava de ouvir Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Carlos Nobre e Jackson do Pandeiro. E assim passei a infância e a adolescência, recebendo todas essas influências.


E lá pras bandas de Piritiba, Morro do Chapéu e Mira Serra, havia virtuosos violeiros? Sempre surgia novidade na feira; homens vindos da Paraíba, foragidos da seca, procurando emprego nas roças, que traziam a cultura de lá. Eu achava muito bonito o pessoal batendo pandeiro e dizendo versos. Lá em Mira Serra tinha até um sujeito que fazia um som maravilhoso, uma mistura de cavaquinho com viola, extraído de um instrumento inventado por ele, num formato de lata de óleo, com cordas de arame de estender roupa.


Aprendeu a tocar lá instrumentos; o violão, por exemplo?

Eu ficava cutucando, mas vim aprender a tocar um pouquinho de violão já depois de casado. Minha vida toda foi no Evangelho, minha família sempre foi prebisteriana, era igreja quarta, sexta, domingo. Meu pai dizia que violão era coisa de vagabundo, e não deixava aproximar do violão. Eu disse que quando fosse dono do meu nariz, compraria um violão. E realmente, quando meu pai separou de minha mãe e eu fui pra São Paulo trabalhar, comprei um violão.


Era uma época de euforia, da ideologia “Brasil, potência do mundo”; da conquista do tricampeonato mundial de futebol; da proliferação das torturas nos porões da ditadura; e da pornochanchada nas telas do cinema brasileiro. Os militares estavam no auge da sua popularidade, por conta do chamado “Milagre Econômico”: “ninguém segura esse país”, “ame ou deixe-o”...

Eu morava em Piritiba já pleiteando algum emprego, mas toda a minha família era de oposição. Os políticos de direita da cidade eram da ARENA e não deixaram que eu trabalhasse na prefeitura, nem no Banco da Bahia. Sem opção de trabalho formal, só me restou ganhar algum dinheiro como artista, fazendo desenhos e pintura. A prefeitura era obrigada a me engolir porque eu produzia todas suas faixas.


Desenhava ainda escudos do colégio etc. Na 1º Exposição de Arte da cidade, conquistei três prêmios, inclusive o 1º lugar de desenho, imaginação e pintura. Cantava ainda no coral e nos muitos grupos que formávamos, como o grupo musical “Os Helps”, que tinha muita influência dos Beatles, e depois virou “Os Horríveis” (risos...).


Você percebeu que a cidade era pequena para suas inquietações...

No dia em que fui pra São Paulo, minha mãe correu atrás do ônibus, tropeçou e caiu no meio da rua. Na metrópole, meu tio me deu abrigo por um ano, aí dividimos um quartinho, eu e um amigo. Mais tarde, fui promovido na fábrica Companhia Brasileira de Alumínio, na cidade de Mairinque, onde eu também morava, e, pra estudar Pedagogia na Universidade de Sorocaba, eu tinha que viajar diariamente 60 a 70 km de distância. Passei a admirar um professor comunista chamado Álvaro Vanucchi, que foi preso na ditadura militar, expulso do Brasil e depois voltou. O sobrinho dele era estudante de medicina e foi morto numa praça em São Paulo, em plena luz do dia. Eu fui assimilando estas histórias e tomando conhecimento do que era a ditadura militar. Quando bateu a saudade, eu vim me embora, em 1978, com greves estourando em tudo que é canto. Como eu era especialista em Recursos Humanos, as empresas se interessaram por mim. Comecei a trabalhar no Pólo Petroquímico ganhando 21 salários mínimos, um dinheirão pra época. Montava planos de cargos e salários, convênios e assistência médica. Quando me chamavam para tocar em algum lugar, eu dispensava cachê. Ah, se eu soubesse que esse tempo ia passar...


Parece que a sua composição de maior sucesso, “Capim-Guiné”, foi feita neste período. Fale um pouco sobre a música.

Em 1979, nas horas vagas do trabalho, compus “Capim-Guiné”, que é um protesto contra a grilagem de terras na ditadura militar. Ocorreu que um fazendeiro de Tapiramutá, cheio de pistoleiros, invadiu de madrugada a propriedade de meu pai, que era evangélico e não tinha armas. No outro dia, meu pai foi à delegacia prestar queixa e o delegado não gostou. Seguiu então para Salvador, a fi m de conversar com o governador. Houve um telegrama do gabinete do governador perguntando quem era o meu pai. Quando souberam que se tratava de um homem de oposição, do MDB, disseram: “pode invadir as terras”. O fazendeiro cortava o arame e botava o gado para comer a nossa plantação. Nós emendávamos e ele novamente cortava. Meu pai foi a Brasília conversar com o presidente Geisel, e este também enviou uma mensagem. Quando foi informado de que a família era de oposição, disse que não podia fazer nada.


Ouvindo hoje “Capim-Guiné”, tem-se a impressão que há na letra algumas metáforas para ludibriar a censura.

Há sim, mas nessa época era proibido falar palavrão, e a música não passou na censura. Veio uma carta para todas as emissoras de rádio proibindo tocar “Capim- Guiné”. É bom esclarecer que a cara de veado à qual me referi era o presidente Geisel, pois qualquer barulhinho para o veado, ele pára, escuta atentamente, mas não toma atitude. Já o Caxinguelê é um esquilo brasileiro. Quanto a “não planto capim-guiné pra boi abanar rabo”, é porque eu não iria mais fazer roça pra bandido vir e tomar, desfrutando de tudo...


Esclareça a dúvida que paira entre os ouvintes de MPB: “Capim-Guiné” é apenas sua ou tem parceria com Raul Seixas? Como foi mesmo que você conheceu Raul?

Em 1982, em Piritiba, eu já havia conquistado um festival de música com “Capim- guiné”, antes de conhecer Raul. Na época, Elba Ramalho estava surgindo com muito sucesso, e eu fi cava sentado na porta dos hotéis esperando ela acordar. Aí, eu perguntava: “Gostou de Capim- Guiné?”, ela respondia: “Ouvi a fi ta e gostei de todas suas músicas, mas me dá um tempo, porque meu disco já está cheio”. Continuei colado com Elba. Um dia, os músicos me falaram: “Elba ensaiou Capim-Guiné, e está de arrombar, mas o diretor de produção pediu pra tirar e gravar uma música do Gonzaguinha, “Casca do Ovo”, porque ninguém sabe quem é esse Aragão”. Aí fi quei chateado e tive um “pega pra capar” com ela. A gente era amigo e ficamos diferentes até hoje.


Um conterrâneo de Piritiba, chamado Beto, me convenceu oferecer a música a Raul Seixas e mandou-a pra São Paulo. Um dia, ligamos para ele do orelhão e ele falou que havia gostado, mas queria propor pequenas alterações. Em vez, por exemplo, da frase “comprei um sítio, plantei jabuticaba, dois pés de guabiraba” etc. elaborado por mim, ele propôs “plantei um sítio no sertão de piritiba...”, homenageando a minha cidade, e misturou guabiraba com as pindaíbas, que eram as cachaças que ele bebia, botou guataíba, que não existe, e gravou.


No lançamento do disco, em 1983, no Esporte Clube Periperi, a nossa amizade foi se estreitando. Ficamos num hotel, na Barra, o dia todo na beira da piscina “comendo água”. Gostei muito dele, suas palavras tinham sentimento, um coração bom, um jeito meio ameninado e meio maluco. Passei dois dias na casa dele em São Paulo, e enquanto ele cheirava muito éter e lança-perfume, eu tomava minhas cervejas. Depois, ele veio pra minha casa em Salvador e fez uma verdadeira revolução no Engenho Velho de Brotas, pois saiu bebendo cachaça em tudo que era boteco, e todo mundo querendo conhecê-lo. Também demos um passeio pelo sul da Bahia, fomos em Ibirataia, Barra do Rocha e Ipiaú.


Sua música mais conhecida é “Capim-Guiné”, mas qual é a que você mais gosta?

Sou apaixonado por “Sertões e Sertões”, do primeiro disco. Fiz quando eu tava sofrendo porque tiraram o trem de ferro, a Leste Brasileira, de Piritiba: “Ó mira, mira bem para o resto da estrada de ferro. Quantos braços cravados, quantos dormentes para ouvir o trem na curva apitar, apitou pra nunca mais”. Eu estava em São Paulo quando minha mãe me escreveu uma carta. Cheguei em casa e chorei.


E as feridas da vida?

Eu tenho uma mágoa danada. A gente que é de esquerda sempre foi boicotado. Quando a esquerda conquistou o poder, não abriu espaço para a nossa arte. As prefeituras do PT aqui da Bahia quase nenhuma me contrata. Só querem Calypso e Calcinha Preta, que deseduca a população. É a indústria da anti-cultura. Esse povo nunca foi forró. A cultura brasileira sempre foi voltada para os mesmos, se concentrando em torno dos poderosos. A Rádio Educadora aí tem dias que tocam dez músicas do Caetano, oito do Djavan, e nenhuma dos outros. Por que não divide o espaço? Convidam a gente para participar de reunião, de discussão, mas na hora de contratar e pagar o cachê, continuam os mesmos.


A gente tem que valorizar aquela coisa de raiz, Bule-bule, repentistas, samba de roda... Na região de Cachoeira e Santo Amaro tem grandes sambistas. No nosso assentamento, Eldorado, tem Luizinho, Delis e Rebeca, uma menininha de 4 anos.


As emissoras de rádio massacram os ouvidos, pegam qualquer besteira, pagam jabá pra tocar 50 vezes por dia e sonegam direitos autorais. Tem algumas que nem pagam porque alegam que a rádio dá prejuízo. Se dá prejuízo, porque não passa pra gente do MST? Cantei muito, sem cobrar cachê, para o Sindicato dos Bancários, da Construção Civil, dos Metalúrgicos e Eletricitários. Hoje, estão fortalecidos e não lembram da gente. Eu colocava minha música a serviço das lutas sindicais, e hoje esquecem que a gente sobrevive dos cachês.


Quem é

Wilson Aragão é compositor. Fez política partidária junto com Capinam, Gonzaguinha, Fábio Paes e Jorge Portugal. Suas músicas foram gravadas por artistas de várias gerações. Possui três CD’s gravados.


Letra de Capim-Guiné

Plantei um sítio no sertão de Piritib dois pés de pidaiba, caju, manga e cajá peguei na enxada como pega o catingueiro fi z acervo, botei fogo, só vê como é que tá Tem abacate, jenipapo, bananeira, milho verde, macaxeira cuma diz no Ceará cebola, cuentro, angu, feijão de corda muito porco na engorda, muita vaca no currá com muita raça fi z tudo aqui sozinho nem um é de passarinho vei a terra semear agora, veja cumpadre, a safadesa começou a marvadesa, todo bocho vem prá cá num planto capim-guiné pra boi abaná rabo tô virado no diabo, tô retado com você tá vendo tudo e fi ca aí parado com cara de veado que viu caxinguelê sussurarana só fez pervesidade pardal foi pra cidade piruá minha saqué dona raposa só veve na mardade me faça a caridade, se vire e dê no pé sagui trepado no pé da goiabeira sariguê na macaxeira, tem inté tamanduá minhas galinha já num fi ca mais parada e os galos de madrugada tem medo de cantá num planto capim-guiné praboi abaná rabo tô virado no diabo, tô retado com você tá vendo tudo e fica aí parado com cara de veado que viu caxinguelê


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Quem quiser acesso direto, vá para: http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/jornal.2008-03-20.
Galera,


Vamos incluindo, formando uma grande rede, de fato. Não essa coisa passiva de ficar clicando a esmo, download, download... minha proposta é: a cada 10 download, ao menos 1 upload. Pode ser textos escritos por nós mesmos, de outros, imagens, o diabo que tiver possibilidade de ser veiculado em forma de bits, mas vamos botar mais informação de qualidade pra circular na rede. A lei do upload (10 pra 1) só não é válida para segunda-feira (o que vamos chamar de exclusão de garfield). Os outros dias tem que seguir, sob pena de mandarmos o seu email para o purgatório, depois para o mármore frio da rede desconectada. não vale corrente... quem mandar corrente (pode ser de qualquer tipo) vai direto pro inferno.

Um abraço

Tenho algumas sugestões:

1. A lei do upload já está em voga. e não tem essa de lei que não pegou, porra nenhuma. Isso aqui não é o Brasil, porreta, essa!
Qualquer discussão fora da rede, deverá ser feita num Bar. paragrafo único - se não for num bar, que tenha birita.

As leis acima ficam valendo a partir de agora - Teje declarada!



Jailson