sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Nelson Rodrigues, um reencontro

Estive em Timor-Leste, alguns sabem. Lá, todos os anos as embaixadas Brasileira e Portuguesa promovem a Feira do Livro Lusófono (que é quase na totalidade livros portugueses e brasileiros, uma pena). É um esforço para se criarem leitores em terras timorenses. Particularmente, após os quatro anos que lá vivi, não penso que seja caso de mais livros, mas sim, formar leitores, usar outras estratégias para se criar o hábito de ler, como alias, também se requer aqui no Brasil. E eu comecei esse hábito, motivado pelo meu irmão mais velho, que lia, com outro amigo, os gibis de Walt Disney. E eu ficava pegando os descartados para ler as figuras. Depois, ganhei do meu pai "Histórias do Fundo do Mar", onde viajei para aquele universo, guiado por uma piabinha. Já na escola, Ensino Fundamental, que naquele tempo se chamava Ginásio (mas todo mundo estudava vestido!), tínhamos projetos de leitura por Série. E foi aí que descobrir, acho que muitos de minha geração também, a Série Vagalume. Eta coisa porreta! E mais, 6ª Série, os Regionalistas (J. Amado, G. Ramos, outros). E por aí se ía. Escola Pública, década de 80, sec. XX! Mas não era exatamente disso que queria falar. É que, em cada feira lá no Timor eu adquiri uma quantidade de livros e os enviei ao Brasil (podíamos comprar após 3 dias de compras só pra timorenses). E estava apartado deles. Semana passada fui a Tabocas e resgatei muitos, e que delícia de reencontro.

Tomei de novo um Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, reunião de suas crônicas de 1967/68, selecionadas por Rui Castro. Notei muita coisa nessa releitura. Nelson é um gênio. Nisso não há novidade. Em sua constatação (com o exagero que lhe foi a tônica de sempre) de que o único escritor brasileiro é Guimarães Rosa. Haverá, nisso, muitas e justas discordias. Há tantos: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Patativa do Assaré, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Drummond, tantos outros.

Quero dizer de Nelson: ele cria uma atmosfera densa com uma única palavra, uma frase. E tem tiradas que inicialmente poderiam soar como gracejos, piadas, e no fundo, é uma grande reflexão sobre o homem, o Homem, a existência. E ele argumenta, para melhor exemplificar nosso reencontro: "a arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos." (Uma Banana Como Merenda, pag. 43, in O Óbvio Ululante, São Paulo, Companhia das Letras, 1993.) Nas páginas anteriores ele diz: "a grande dor não se assoa", ou, mais adiante: "era bonito ser histérica", esses que contam o caso de uma viúva que galopou o caixão do marido, e dava solapões em quem tentava oferecer-lhe um lenço. Eu estava precisando de um pouco de Nelson, nesses tempos de hoje, onde é raro encontrar em conversas ou textos uma inteligência refinada como a dele.

Jailson Alves

2 comentários:

  1. Jai, querido, a Adélia Prado diz
    "Não quero faca nem queijo; quero é fome".
    Nunca teve tanto livro bom à disposição d@s estudantes e professor@s nas escolas públicas brasileiras, é um verdadeiro banquete servido a anoréxic@s. Coleção vaga-lume é fichinha, são caixas e caixas e caixas de livros excelentes, dos canônicos aos marginais, de todos os gêneros e tipos e origens, uma belezura que só vendo! Aquel@s que comiam vaga-lume, como nós, ficariam aguando que nem mulher prenhe desejante, mas @s atuais morador@s das escolas estão empanzinad@s, os livros estão guardados nas tais caixas literalmente mofando!!! Dá vontade de roubar e espalhar nas praças e parques e bares e motéis e cozinhas e em qualquer lugar erotizado, vivo, que tenha a anima que a escola não tem.
    É isso, penso que essas estratégias que vc tá falando tem a ver com o desenvolvimento de um hábito cotidiano que vem do gosto e da necessidade, a gente lê quando precisa ou quando quer, literatura pra mim sobretudo é prazer e quando vc fala da literatura do Nelson seu texto transborda desejo. Concordo com o Daniel Pennac, que escreveu um livro lindo sobre leitura "Como um romance", o verbo ler não dá pra ser conjugado no imperativo.
    Bj pra vc e sua Ka

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  2. Oi Indaiara, Oi Jai.
    Indaiara traz uma triste verdade: há livros... não há leitores... mas penso que os leitores ainda estão por vir a ser. Falo por mim: fâ de Nelson Rodrigues, nunca li nada dele. Apenas assisti. É isso, eu, igual a muitos por aí, sou da geração televisão. Pai e mãe trabalhando, quem cuida das crianças? Eu colecionei seriados, curtas, longas, teatros produzidos sobre a obra de Nelson, e tudo o que li foram scripts. Toda minha coleção se perdeu entre a ida ao Timor e volta ao Brasil. Juntar tudo de novo? Não sei. Agora olho para os livros com interesse, estão ao meu alcance, na cabeceira da cama, e não aprisionados em armários e bibliotecas. Hoje eu leio, lêem comigo, lêem pra mim.
    Há pouco mais de cinco anos tomei gosto pela leitura e sei exatamente o que me custa essa perda de tempo. Por isso, não perco a esperança. Em Brasília, vi famílias pobres criarem bibliotecas comunitárias; vi escolas públicas enviarem livros para as casas das crianças; em Timor, vi professores encadernarem suas histórias. Eu desejo ver muito mais aqui. Os livros estão por aí, sejam físicos ou digitais, os leitores estão por vir-a-ser e tenho certeza de que os leitores serão tantos, tantos, que mais livros poderão ser lidos e relidos "sempre e sempre, com obtusa pertinácia"... Abraço carinhoso

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