sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Seção Cordel




Senhores me adiscurpe
Pru não ser eu um letrado
Num passo de um jumento
Pela vida dipromado
Não sô mestre em Latim
Nem em Grego dotorado

Pra lhes falar a verdade
Tenho muita restrição
A quem fala parecendo
Um padre de ocasião
Metendo adonde num deve
Palavras na contramão

Um discurso faladô
Mas de istora vazia
Como os miolo dum pote
Da casa da minha tia
A jumenta mais letrada
Aqui dessa freguesia

Ela istudo na UESC
Formada im filosofia
Um papo muito manero
De encher até um dia
Entrava no pé do sapo
Saía pelo pé da gia

Este fato cunteceu
Já tem quase dois mil ano
De quando me batizaro
Como se fosse um humano
Só estou contano agora
Modi meu fim vim chegano

Naquele tempo levava
No meu lombo um magro ome
Era leve como pena
De passarim que num se come
Andei mais de deiz légua
E inda num tinha fome

Nóis cheguemo num riacho
Donde Jão Batista tava
Batizando todo povo
Que por ali se incrontava
Eu levano aquele ome
Sem saber quem eu levava

Quando entremo no riacho
Era grande o alvoroço
Gente que nem furmiga
Segura pelo pescoço
Jão Batista batizava
na parte rasa dum poço

Quando a nois avistou
Eu e meu bom Jesus
largou quem batizava
Fez o sinal da cruz
Ajoelhou e disse alto:
- Chegou o anjo da luz

- Chegou nosso senhor
Aquele que salvará
Toda a gente desse mundo
Agora eu vou batizar
Para que Ele possa
Água em vinho transformar

- Com Ele cego vai ver
Alejado vai andar
Pois desceu de lá do céu
Para aqui se comportar
Como o filho de Deus-Pai
A todos vai ajudar

Eu estava bem pertinho
A tudo isso dimirá
Jão Batista me pegou
Pelo cabresto a puxar
Dizendo: - o condutor do senhor
Eu também vou batizar

- Não sei se é correto
Um animal batizar
Mas das benesses divinas
Esse bicho vai gozar
Pode zurrar a vontade
Comer até se fartar

- Pode ser que seja errado
Um jumento batizar
Mas em seu santo lombo
Ajuda o Senhor a andar
Pelo mundo inteiro afora
Muitas vidas a salvar

Adispois do impisodi
Do batizado qui tive
Me senti aqui na terra
Das criatura que vive
A mais portante de todas
Mais que os ome, incrusive

Eu agora batizado
Um animá cuma um santo
Num quero mais andá
Sem usá no lombo um manto
Penso inté im aprendê
A zurrar im isperanto

A partir desse momento
Só vou usá ferradura
Se for de oro ou de prata
So vou cumê rapadura
Cabresto num uso mais
Istraga minhas dentadura

Cigano num quero vê
Nas minha vista riscá
Pois eles leva a vida
Aos animá maltratá
As veiz nos bota num rolo
Só pra pudê oreá

Terminado o batizado
Saimo a milagrear
Eu mais alegre que Cristo
Sem ninguém a me zombar
Se zombasse dava um coice
Que era capaz de matar

Eu também milageava
Pelos pasto adonde andava
Quando a seca tava braba
E um jumentinho chorava
Por falta de mato verde
Eu logo lhe acalentava

Se só tivesse um pão
Com a ferradura apontava
De um pão fazia capim
Braquiarão não faltava
Se pegasse num graveto
Mio assado virava

Feliz assim ía nois dois
Eu e meu bom Jesus
Sem saber que adispois
Iam lhe botar na cruz
De nada valendo aquilo
De ser o anjo da luz

Eu mermo tava bem perto
No dia de sua afrição
Entregaram a Jesus
Como se fosse ladrão
Pregando ele na cruz
Prego nos pé e nas mão

Nesse momento eu juro
Foi grande a escuridão
Meu Jesus enxovalhado
Por aquela multidão
Dizendo prega na cruz
Pode soltar o ladrão

Com aquilo que eu vi
Fique muito avexado
Disbribui mais de mil coice
Vendo que era falado:
- Esse jumento tá doido
Deve tá maconhado

Aí eu disse: - isso é nada
Oces vão vê é agora
Vou dar coice dia e noite
Até romper a aurora
Se pegar em sua cabeça
Pode inté rancar fora

E coice foi adoidado
Dentada tumém eu dei
Pegasse adonde pegasse
Mas de cem eu derrubei
Dei uma rabada numa véa
Que até os peito mostrei

E tinha tumém um tar Pilatos
Que as mão tava lavada
Dei um coice nas costela
Ficou de cara vexada
Quando ouvi ele dizê:
- Acode aqui, macacada

Judas tava bem perto
Ameacou se mexê
Dei-lhe um coice nas perna
O cabra pôs-se a gemê
- Traidô de Jesus Cristo
De coice tu vai morrê

E intão arresorvi
Usar todo meu cartaz
Cum pai de todo burro
Que se chama Ferrabrás
Para que Cristo assubisse
Pras terras celestiais

Lá no ceu Ele terá
Seu discanso merecido
E aqui na terra Ele
Nunca será isquicido
E ainda será como
Se não tivesse morrido

Eu sai dali sozinho
Triste sem meu Jesus
Mas tumem tava feliz
Por não ter ido pra cruz
Com mesmo fim Cristo
O dito anjo da luz

Essa passage que tive
Quero aqui terminá
É tão real quanto a vida
Das pranta e dos animá
As ferradura de oro
Vem a mim testemunhá

Um amigo que eu tenho
Inspirou esse ditado
Por dá coice por aí
Sem se fazer de rogado
Botaram nele o apelido
De jumento batizado

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