terça-feira, 27 de outubro de 2009



“NEGRO PARADO É SUSPEITO, CORRENDO É LADRÃO!” – Por uma ação prática e imediata de combate ao racismo policial em Itabuna




Esta expressão que leva o título deste texto não tem nada de jocoso e é no mínimo intolerável para qualquer pessoa que tenha um mínimo de consciência política da condição social de ser negro no Brasil. Mas, na esfera do cotidiano, onde o censo comum opera, a expressão (que é oriunda de uma piada racista) não conduz a esse sentimento de resignação, ou a essa interpretação. As mil facetas do racismo brasileiro, o faz ser mais violento que o estadunidense, também faz com que essa expressão possa ser ao mesmo tempo uma piada racista, uma ofensa ou uma norma de conduta de uma operação policial. Até a década de 70 era comum ver essa expressão nas paredes de delegacias. Em tempos de violência urbana extremada essa expressão torna-se a representação oficial que o sistema policial tem sobre os negros e negras. Sem dúvida, a sociedade vive hoje um medo social generalizado, tendo em vista os comportamentos humanos hediondos e uma sociedade excludente e que faz do seu autoritarismo uma virtude. Esse grau de violência faz com que os indivíduos rejeitem aproximações e diálogos com pessoas que lhe são “estranhas”. Acontece que o estigma histórico e cultural que pesa sobre o Negro, o faz e ser o indivíduo privilegiado para essa fobia social.

Povos negros diaspóricos no mundo globalizado tem sido vítimas de uma espécie de satanização social, são os vilões por natureza da violência urbana, como se os caracteres físicos determinassem a formação de suas personalidades.

O sistema policial precisa desincorporar de vez as teses racistas do cientista Cesare Lombroso, que no século XIX acreditava ser a criminalidade um fenômeno físico. Nota-se que as instituições de segurança pública não tem feito o mínimo esforço em criar mecanismos político-ideológicos para superar essa nefasta representação racista do negro, os policiais continuam a abordar, violentar e julgar tendo por base apenas a epiderme escura dos negros, como se ter a pele escura fosse uma “maldição,” um castigo, uma condição de inferioridade. Esse imaginário social precisa ser sistematicamente refletido para ser extirpado.

O debate que ora se instala na sociedade brasileira já suplantou de vez a validade do mito das três raças, do mito bíblico de Cam (ancestral da raça negra) ou o tedioso discurso da democracia racial. Não é mais admissível que instituições de segurança pública não adotem uma política multicultural na formação de seus quadros. Do contrário, continuamos evidenciando um racismo institucionalizado. Enquanto os elementos de investigação e de operação policial estiveram cindindo sobre os caracteres físicos, a polícia continuará reiteradamente insistindo numa política raciológica.

Já passou a hora de atacarmos as razões do racismo presentes nas relações sociais. Maior rigor na lei (prisão aos policiais racistas) e ações políticas de combate as suas manifestações, são operações necessárias, porém, um tratamento de fundo implicaria na mudança de valores e nas relações de poder. O discurso da falta de investimento material no aparato de segurança, embora necessário é bastante paradoxal, pois, se não forem canalizados em conjunto com uma política humanitária e multicultural, só manterá a ordem racista vigente. O primeiro passo que essas instituições de segurança pública devem adotar é reconhecer pública e oficialmente que o racismo tem sido um valor presente nas corporações policiais, o que tem sido fator muitas injustiças. Esse primeiro passo conduz a uma problematização constante das reais condições das relações étnico-raciais, ou seja, ser negro não é condição alguma para qualquer tipo de abordagem policial (ou para qualquer tipo de sujeição ostensiva). Sabemos muito bem que a dimensão do processo é estrutural e complexa e não tem um fim predeterminado, mas, ações pontuais podem ser energicamente estabelecidas, para que se inicie um processo de mudança de comportamento social e que aniquile o extermínio de negros e negras moradores de regiões periféricas. Não cairemos mais nas armadilhas das políticas sociais de cunho liberal de caráter universal, com resultados duvidosos e a longo prazo. Políticas públicas étnicas, particularistas e diferenciadas, já!

Eduardo A. Estevam Santos, historiador e ativista negro.

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