quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ITABUNA UMA CIDADE AFORADA

Alguns problemas da cidade de Itabuna parecem invisíveis, mas, na verdade são tão perenes que volta e meia torna-se brando ou se recrudesce em conflitos latentes. Refiro-me a problemática do Aforamento, este instituto jurídico arcaico, mas, que ainda regula modicamente as condições de posse de terrenos para a construção de moradas. Sua permanência tem sido um entrave que nega o direito à cidade a grande parte da população.
Podemos identificar várias aplicações do Aforamento na história do Brasil, para isso, vamos destacar apenas aquelas que decorreram em grandes transformações sociais: a primeira foi basicamente voltada para a produção, e constituía-se como elemento central do sistema sesmarial, sua base era o foro, uma espécie de tributo pago a Ordem de Cristo (Igreja e Estado estavam indissociáveis no empreendimento das “descobertas” de terras no Novo Mundo); a sua segunda aplicação prática foi análoga a essa que ora vigora na cidade de Itabuna, a do aluguel de terrenos para construção de casas (urbanização).
A cidade de Itabuna tem hoje um pouco mais de 200.000 habitantes e está distribuída em mais de 100 bairros. No início da década de 70, a cidade de Itabuna tinha 91.202 habitantes e estava distribuída em 26 bairros, este censo apresentava ainda um contingente populacional urbano de 80% e 20% rural. Esse impulso demográfico de mais de cem por cento, num intervalo de 30 anos, está intimamente relacionado ao surgimento dos loteamentos populares que tinham em seus contratos jurídicos o regime do “arrendamento” como regulador das condições de posse dos terrenos. Em termos práticos, não era o arrendamento de caráter temporário que se procedeu e, sim o seu correlato, o Aforamento, pois desde a aquisição dos lotes que os aforados vem pagando o foro.
O mercado de lotes aforados foi uma das poucas alternativas que os mestiços, índios e, sobretudo os descendentes de escravizados (creio que a primeira geração) tinham para a construção de suas moradas. A maioria desses moradores eram provenientes da própria cidade (fugiam do aluguel), alguns outros de cidades vizinhas. As correntes migratórias ocorreram no momento áureo em que a cidade era um pólo de forte atração e possuía mais “oportunidades” que as cidades adjacentes. Surgem assim os bairros São Pedro, Pedro Jerônimo, Zizo, Fonseca, Parque Boa Vista, Maria Pinheiro, entre outros.
Não foi por falta de planejamento urbano que a criação de lotes a esmo configurou a urbanização caótica desta cidade. Desde o código de obras de 1978 (governo Fernando Gomes), passando pela lei 1.324 (governo Ubaldo Dantas) que estabelecia normas e diretrizes do desenvolvimento urbano em 1984, e finalmente com decreto lei de 1995 que proibia a cobrança do Aforamento e tornava ilegal vários loteamentos entre eles os loteamentos São Pedro e São Lourenço, que o Aforamento sobrevive. Medidas mais sintomáticas foram adotadas no primeiro governo de Geraldo Simões, mas não houve força e nem vontade política para por fim por completo a esse instrumento jurídico regulador da posse de terrenos.
Temos assim, uma luta de classes, não no seu modelo clássico, mas de um modo muito peculiar a história fundiária brasileira - de um lado famílias “tradicionais” que monopolizam a propriedade de grandes porções do espaço urbano por meio do Aforamento e do outro; sujeitos que lutam pelo direito pleno a propriedade.
A ausência de escritura pública criou uma série de obstáculos aos moradores de áreas aforadas, pois, os mesmos são impedidos de sujeitar o bem imóvel como garantia de empréstimos ou de obter financiamentos habitacionais.
O Estatuto da Cidade aprovado em 2001 garante o direito à cidade a esses sujeitos aforados, por meio da regularização fundiária. O Novo Código Civil deu um golpe decisivo no Aforamento, não permitindo mais novos contratos.
Não é mais possível pensar em Plano de Governo ou Políticas Públicas, para a cidade de Itabuna, sem colocar na pauta o Planejamento Territorial Urbano, com dotação orçamentária para a sua concretização. O espaço da morada é o espaço da vida, da sociabilidade e da construção da cidadania. A resolução do problema do Aforamento constitui-se numa política de inclusão sócio-étnica-racial.

EDUARDO ANTONIO ESTEVAM SANTOS, Mestre em História Social, Coordenador do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Professor da Rede Estadual e Municipal de Ensino Público.

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