terça-feira, 27 de abril de 2010

Festa do Centenário

CARACOLES!


A genial prefeitura de Itabuna contratou Chiclete com Banana e Fábio Junior para a festa do centenário.

240 paus pelos axezeiros e mais 150 pela múmia brega Fábio Jr.Esse é centenário da nossa cidade.

Dava para um ano inteirinho de programação de teatro, música plural, artes em geral, cultura popular, festival literário, revitalização das nossas manifestações carnavalescas etc etc etc.

Mas que nada! Nossos gestores preferem gastar numa noite milionária e entupir os bolsos dos espertalhões.

E a grande obra dos 100 anos, a fantástica troca do meio fio da Cinquentenário vai de vento em popa. Eta lasqueira!

Oh vida, oh céus, oh azar!

Hardy

quinta-feira, 25 de março de 2010

COCADA

Ai meu Deus se eu pudesse
Eu abria um buraco 
Metia os pés dentro criava raiz 
Virava coqueiro trepava em mim mesmo 
Colhia meus côcos meus frutos feliz 
Ralava eles todos com cravo e azeite 
E punha no tacho pra fazer cocada 
Depois convidava morenas e loiras 
Mulatas e negras pra dar uma provada 
Depois satisfeito de tanta dentada 
Na boca de todas eu me derretia 
Aí novamente eu abria um buraco 
Metia os pés dentro com toda alegria 
Virava coqueiro trepava em mim mesmo 
Colhia meus côcos fazia tachada 
Com cravo e açúcar ficava roxinho 
Ficava doidinho pra ser mais cocada 
Côco, côco, cocada, Côco, côco, cocada,


Essa pérola, composta há mais de 70 anos, é de um certo compositor
maranhense chamado Antonio Vieira. Descobri no CD Tecnomacumba, de Rita Ribeiro.


Aquilino

Biografia de Antonio Vieira aqui:


http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0203/0016.html

quem quiser siga o puluxia no twitter: siga minhas mãos, como dizia o chapolim

http://twitter.com/aquilinopaiva

terça-feira, 23 de março de 2010

Ciência, religião, Marcelo Gleiser, Saramago

Tem um conto espetacular, maravilhoso, genial, do José Saramago, em que um sujeito quer encontrar a Ilha Desconhecida. Aí ele pega um barco e se manda pelo mar.

Dá-lhe Marcelo Gleiser! A ciência não pode provar a inexistência de Deus. Claro. Nem de Deus, nem do Papai Noel, do Coelhinho da Páscoa nem do Saci Pererê. Crendice é crendice e ciência é outra parada.

Não provar a inexistência não significa afirmar a existência. O que Marcelo Gleiser aponta é o erro de muitos em colocar a ciência no lugar da religião ou vice-versa. Gleiser fala da busca por grandes teorias gerais, como a das supercordas, por exemplo, e de como essa busca tem raízes em uma postura mítica remanescente da religiosidade. O universo é irregular, assimétrico, imperfeito. Essa é a nossa encrenca, ou a nossa divertida aventura.

Mas isso é realmente difícil de encarar. Para ser mais grosseiro, eu diria: Quem quiser certezas, respostas fáceis e fantasias em geral, que vá para suas igrejas. O cardápio é bem variado, hoje em dia.

A beleza da ciência não é a explicação, mas a dúvida. Não é resolver, mas buscar. A busca é o
sentido. O nome do barco é Ilha Desconhecida.

Aquilino Paiva


sobre o livro de Marcelo Gleiser:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u706071.shtml



O Conto da Ilha Desconhecida, de Saramago
http://www.releituras.com/jsaramago_conto.asp

quinta-feira, 18 de março de 2010

Glauco, corrigindo e confirmando

Nem foi assalto. Escrevi o post assim que vi a notícia e caí na pressa da mídia.

Então o cara que matou Glauco não era assaltante. No entanto, foi a violência da droga proibida, tráfico, facilidade em comprar uma arma e uma boa pitada de alucinação religiosa.

Dá no mesmo.

Aquilino Paiva

sexta-feira, 12 de março de 2010

Glauco, um gênio do cartum, mais um assalto, um tiro.

Porra, como é que pode? Um gênio morreu num assalto.

A indignação fica mais forte num momento desses. Mas vale lembrar que a violência faz barulho o tempo inteiro e, não sei de que jeito, conseguimos dormir. A morte de Glauco faz parte da mesma escrotidão que extermina jovens negros todos os dias em qualquer cidade brasileira.

É que, sei lá, a gente acompanha o noticiário da violência com quem assiste novela, pela tv. Quando morre alguém que admiramos tudo fica mais exposto, é a ferida em carne viva.

Leio o Glauco há mais de vinte anos. Guardo edições de Chiclete com Banana antigonas, e tenho a raridade que é aquela edição de Los Três Amigos, produção de Glauco com os amigos Angeli e Larte. Glauco tinha um traço ligeiro, parecia que desenhava uma tira em três segundos, e um humor sem pudores.

Vou procurar minha revista no baú e rir do Glauquito, Laerton e Algel Villa pela milésima vez.

Aquilino Paiva

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A QUESTÃO NEGRA NO INTERIOR DOS PARTIDOS DE ESQUERDA

Os partidos de esquerda nunca foram um bloco uníssono no que tange à formulação de projetos políticos para romper com a ordem estabelecida e, consequentemente, promover a transformação social. Cada partido apresenta em sua essência organizativa particularidades de uma determinada conjuntura, pois são produtos de suas próprias experiências históricas.
A distinção geral que faço entre esquerda e direita é que são ideologicamente excludentes. Como afirma Norberto Bobbio, nenhuma organização político-partidária pode ser simultaneamente de direita e de esquerda. Por esquerda, entendo serem todos os partidos comprometidos em seus conteúdos programáticos e em suas práticas políticas em subverter a ordem (moral, política, econômica) estabelecida, nas mais variadas conjunturas históricas.

Numa formação social estruturalmente racializada, como a brasileira, os partidos de esquerda perspectivaram as lutas raciais em luta de classes. A partir do momento em que os negros e negras ganharam autonomia política dentro dessas organizações partidárias, ficou cada vez mais evidente uma cobrança por um programa político menos classista e mais étnico, ou, por vezes, classista e étnico. Por não serem monolíticas, as organizações apresentam frações de classe (nunca existiu uma classe coesa em termos absolutos), pois seus membros não só postulam as normas, os princípios e suas resoluções, como também podem postular posições resultantes de suas filiações culturais (étnica, religiosa), de forma que confluem as suas identidades com as organizativas (de classe), apesar desta última, em determinadas situações, tentar, em vão, suprimi-las. Dessa forma, o sujeito da classe nunca foi uniforme e homogêneo, podendo ser negro (a), homossexual, mulher. Na verdade, o sujeito da classe é um ser socialmente complexo e tem suas particularidades de acordo com suas composições políticas e ideológicas.

Uma das fortes características dos partidos de esquerda foi a formulação de projetos reformistas ou revolucionários tendo por base teorias importadas, que, por não terem muita relação com a realidade concreta brasileira, tornaram-se mecanicistas e assimétricas. Para os partidos de esquerda, o abismo social entre negros e brancos, e todo o pensamento social que inferiorizava o negro eram mais um problema social (econômico) do que oriundo das relações de poder, sustentadas pelo racismo.

Na prática, alguns partidos caem numa contradição paradigmática de suas próprias abstrações totalizantes, ao tentarem insistir em compreender a totalidade do social apenas a partir de uma determinada ação política dos sujeitos (governantes). O exemplo mais contundente dessa contradição é o do PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados, que, ao mesmo tempo em que tece elogios (mais que necessários) ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, por sua posição em não acatar as decisões da ONU, que tenta impedir o desenvolvimento de um projeto de tecnologia nuclear em seu país, é obrigado a rechaçar algumas outras posições desse mesmo presidente, tais como: que o “holocausto foi um mito”, ou ainda, que “se a homossexualidade se expandir, a humanidade vai deixar de existir”. A um só tempo, o presidente iraniano possui um comportamento político progressista (ao não se render aos auspícios do imperialismo estadunidense), elogiado pelo PSTU, assim como conservador e reacionário, ou seja, apresenta identidades contraditórias.

O que estou querendo argumentar é que não existe um sujeito com uma identidade totalizadora, singular e absoluta. Ao mesmo tempo em que os partidos são compostos por pessoas diversas, não podem apresentar a categoria classe como um amplo guarda-chuva que represente as mais variadas identidades. O que o PSTU faz, na prática, é eleger uma ação política do presidente iraniano condizente com as suas estratégicas mobilizadoras, de forma que se reconheça em sua estrutura discursiva (excessivamente econômica), por vezes secundarizando outras formas de poder socialmente exercidas, como as questões de identidade cultural (a exemplo do discurso homofóbico do presidente).

Os negros e negras do MNU – Movimento Negro Unificado e da UNEGRO – União de Negros pela Igualdade, organizações ligadas umbilicalmente ao PT – Partido dos Trabalhadores e ao PCdoB – Partido Comunista do Brasil, respectivamente, têm posições, interesses e influências diferentes dos brancos do mesmo partido, e, por vezes, apresentam pontos de tensão, ora para registrar as diferenças de posições étnico-políticas, ora para promover rupturas, ao se sentirem agonizados com os discursos totalizantes e universalizantes.

Raça, classe e gênero ainda são uma questão-problema para os partidos políticos mais herméticos e ortodoxos, que ainda privilegiam o campo econômico como centro da luta, e esse conflito torna-se mais evidente nos momentos de luta pela implementação pública de políticas multiculturais de cunho socialista. A persistência na construção de projetos políticos universalizantes, uniformes, centralizados e sem atentar para a pluralidade e a diversidade dos sujeitos só contribui para a manutenção das desigualdades.

Privilegia-se a luta de classes, deixando subjacente a questão racial, enquanto os militantes negros querem fazer entender que a questão racial está para além da exploração do capital. Não se trata de privilegiar a cultura e a identidade em detrimento das questões econômicas, mas de se fazer entender que temos uma sociedade estruturalmente racializada e classista, e que os privilégios de determinados grupos não são apenas de classe, mas também étnicos.

Em termos práticos, esse debate (raça e classe) permanece insolúvel, mas os (as) militantes negros (as) continuam insistindo que a lógica do racismo é cultural e está na base das relações de poder, bem como que a luta de classes vai além das mudanças nas relações de produção.

Eduardo Antonio Estevam Santos – Coordenador do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas. Mestre em História Social e Doutorando em História pela PUC-SP.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)

Em A negação do Brasil (documentário datado de 2000), Joel Zito de Araújo enfatiza, de maneira contundente, o espaço conferido ao negro pela televisão brasileira, ou seja, o lugar da inferioridade. Seja por meio das telenovelas ou minisséries, o que se vê ao longo do período que engloba a década de 60 até 90 é exatamente a “remasterização” das principais imagens difundidas ao longo de séculos pelo discurso colonial e seus principais tentáculos – religião, ciência, política.


Seja pelo signo da inferiorização moral e intelectual, passando pela retomada da violência simbólica e física que marcou o tratamento do corpo negro no contexto colonial, a denúncia fundamental do referido documentário reside no seguinte: o discurso da teledramaturgia pouco contribui para desvelar o racismo que marca as tensas relações sociais no Brasil. Ao contrário: a TV, por meio da articulação de especialistas da violência simbólica, retoma esquemas que remetem às estratégias de desqualificação do negro na sociedade brasileira (para ficarmos somente na estrutura dessa nossa sociedade que se pensa democrática).

Quando a questão racial, no contexto televisivo, se cruza com a de gênero, as representações desqualificantes se acentuam, afinal, argumenta-se que a mídia dialoga com o imaginário brasileiro. À mulher negra, no mais das vezes, é associado um sistema de estereotipias, sendo duas as principais imagens: a empregada doméstica submissa ou alcotiveira; a criatura excessivamente sexualizada, que não consegue ultrapassar a condição imposta pelo domínio exclusivo dos instintos. Em ambos os casos, o pêndulo televisivo oscila sob o peso do racismo, pois em nada se afasta da formação discursiva colonial.

Em tempos de ações afirmativas no Brasil, localizados num século ainda “cheirando a leite”, presenciamos mais uma investida num formato de telenovela que vem se consolidando no famigerado horário nobre. Ou seja, novamente a Rede Globo concede ao escritor Manoel Carlos um espaço de destaque em sua programação. Nesse sentido, elementos como a bossa nova, a paisagem carioca da zona sul ou do balneário de Búzios, o cotidiano da classe média (média alta) e, claro, a retomada do ícone da personagem “Helena” são fundamentais para a difusão de uma trama que, se acredita, “dialoga de maneira eficiente com a audiência”. A novidade, na atual telenovela “Viver a vida”, é o protagonismo negro associado à figura da Helena. Tem-se, então, a atriz Thais Araújo interpretando uma mulher que ocupa espaços elitizados, seja pela atividade profissional exercida (modelo internacional), seja pelo padrão de consumo que a sua condição proporciona e, como não poderia deixar de ser, o trânsito desenvolto que faz o Rio de Janeiro (da zona sul) aproximar-se de Paris (numa rapidez e simplicidade, como não poderia deixar de ser).

Associando-se a telenovela “Viver a Vida” ao conjunto de produções analisado por Joel Zito de Araújo, pode-se pensar que há um significativo avanço na forma de inserção do negro na TV. No entanto, violência subsumida no capitulo exibido hoje restaura a polêmica. A essa altura da trama, a Helena já está em sua “temporada no inferno”: sofre o drama psicológico da culpa associada ao trágico destino da sua colega de passarela (a personagem Luciana, representada por Alinne Moraes). Para representar esse sentimento, obviamente a produção investiu numa caracterização degradante da personagem, muito distante do glamour que marcou a sua aparição até então.

No entanto, o que chama a atenção é justamente a cena em que a personagem Helena, de joelhos diante de Tereza (Lilia Cabral), assume toda a responsabilidade pela desgraça familiar. A cena permite uma retomada da estrutura muito comum às ditas “novelas de época” que retratam a subserviência negra diretamente associada à autoridade de um mandatário que não poupa esforços para ratificar a segregação, o distanciamento, a assimetria das relações raciais. Desprovida de graça, e o pior, mergulhada num típico figurino da slave colection, Helena irmana-se com a legião de mucamas e afins que sofrem o peso da sujeição. Aqui inauguro ironicamente o termo slave colection para apontar uma forma previsível de caracterizar a presença negra na televisão, ou seja, representações que remetem à condição escrava (única possibilidade de se pensar essa presença negra).

O ápice da cena é o golpe (tapa) desferido no rosto da Helena. Golpe que não pode ser dissociado da frase que o acompanha: “isso é só o começo”. Não se deve esquecer que como mais uma personagem branqueada – distante da historicidade familiar e isolada do convívio com outros/as negros/as – Helena experimenta a assimilação cultural. No entanto, as próprias contribuições das Ciências Sociais apontam que essa assimilação na verdade é uma armadilha, pois não garante a devida valorização e a ocupação de espaços. Enquanto uma falácia compentente, a assimilação cultural gera o efeito da falsa inclusão, mas a mesma sociedade que a estimula lança mão de mecanismos que reafirmam a exclusão.

Por fim, o simbolismo dessa cena televisiva (ironicamente exibida na “semana da consciência negra”) comprova o caráter pontual da questao negra. E também como ainda se está distante de uma abordagem processual e séria da questão (sobretudo por parte da mídia), o que certamente indicaria avanço. Isso tudo comprova: a racialização ainda é um componente fundamental para se entender como se dão as relações sociais no Brasil (mesmo que enquanto conceito biológico raça – e suas diferenciações – signifique algo superado).



Daniela Galdino. Professora da Rede Estadual de Ensino, Professora Visitante da UNEB, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural.