terça-feira, 23 de março de 2010

Ciência, religião, Marcelo Gleiser, Saramago

Tem um conto espetacular, maravilhoso, genial, do José Saramago, em que um sujeito quer encontrar a Ilha Desconhecida. Aí ele pega um barco e se manda pelo mar.

Dá-lhe Marcelo Gleiser! A ciência não pode provar a inexistência de Deus. Claro. Nem de Deus, nem do Papai Noel, do Coelhinho da Páscoa nem do Saci Pererê. Crendice é crendice e ciência é outra parada.

Não provar a inexistência não significa afirmar a existência. O que Marcelo Gleiser aponta é o erro de muitos em colocar a ciência no lugar da religião ou vice-versa. Gleiser fala da busca por grandes teorias gerais, como a das supercordas, por exemplo, e de como essa busca tem raízes em uma postura mítica remanescente da religiosidade. O universo é irregular, assimétrico, imperfeito. Essa é a nossa encrenca, ou a nossa divertida aventura.

Mas isso é realmente difícil de encarar. Para ser mais grosseiro, eu diria: Quem quiser certezas, respostas fáceis e fantasias em geral, que vá para suas igrejas. O cardápio é bem variado, hoje em dia.

A beleza da ciência não é a explicação, mas a dúvida. Não é resolver, mas buscar. A busca é o
sentido. O nome do barco é Ilha Desconhecida.

Aquilino Paiva


sobre o livro de Marcelo Gleiser:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u706071.shtml



O Conto da Ilha Desconhecida, de Saramago
http://www.releituras.com/jsaramago_conto.asp

2 comentários:

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  2. Quilas, brigada pelas indicações e pelo empenho em manter esse espaço vivo. Vc é mesmo um amor...Gostei mt dos textos e da relação estabelecida entre eles: a navegação, a busca, o processo, a aventura de conhecer como sendo em si mesma o grande barato do projeto de humanos.

    Em relação ao livro de Gleiser, creio que a gente vai precisar de uma desintoxicação semântica pra formar novos sentidos, principalmente para os conceitos de perfeição/imperfeição, visto que a própria hominização se sustenta na essencialização.

    Discordo quando vc meio que diz que religião e ciência são totalmente opostas, e hierarquiza-as, colocando a segunda acima da primeira. A história mostra que suas funções têm se aproximado, a fé leva a descobertas e curas (inclusive opera) e a razão se aproxima de deus (vira mais um credo!).
    O que o texto do Gleiser sinaliza de mais importante pra mim é que não somos um todo harmônico orquestrado, nossa recorrência à essencialização é uma furada. Sob a fachada da verdade religiosa ou científica, legitima-se a opressão das hegemonias e cosmovisões pautadas, sobretudo, em relações de poder não neutras, ideológicas, desiguais e submetidas às conveniências de cada grupo em um dado momento histórico, definindo e ratificando lugares sociais.
    A opressão da ciência e da fé religiosa se sustenta nos mesmos ideários de equilíbrio, verdadeiro, nuclear, bom, bem, belo, são, em contraposição ao que seria o outro disso. E assim, binariamente e excludentemente, ambas as formas de inserção na realidade essencializam seus pressupostos axiomatizando ou dogmatizando elaborações humanas, demasiadamente humanas - culturais, temporárias, falseáveis, injustas, opressoras - como sendo obras da natureza e de deus (essa essência de tudo), e definindo a pauta de comportamento do planeta.
    O perigo maior é que se considere o discurso científico ou religioso como o real, já dizia o velho Freud que o real é indizível, né? Por transpirar verdade inconteste é que a ciência perde sua principal característica, a condição de ser falseada (afinal se vc quer se blindar fale que algo foi resultado de pesquisa, por mais absurdo que seja o que vc diz rsrsrs).
    Considero as teorizações apresentadas por Gleiser uma verdadeira revolução (a gleisiana pode ser uma copernicana), principalmente pelo que ela apresenta de inclusiva. Se a perfeição é, em última instância, a imperfeição, e os fenômenos físicos devem ser exaltados pelo desencaixe - o incompleto, o inacabado, o esboço, o imperfeito, então estamos livres? A ciência se submeterá a uma nova ética-estética que engendre formas mais justas e amorosas de se conhecer e viver? Oxalá!

    Quanto ao conto de Saramago, simplesmente me calou(...), embora seja um grande presente, nada mais posso dizer sobre ele agora.

    Bj
    Inda

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